A Revisão de Aposentadoria por Invalidez do servidor público
O servidor público já sofreu, ao longo dos anos, inúmeros ataques aos seus direitos. Não é de hoje que se tenta culpar o servidor público de toda sorte de problemas de falta de caixa dos regimes próprios de previdência pelo país afora. Mas a verdade é que há uma imensidão de servidores públicos ganhando muito mal, trabalhando em condições precárias, sofrendo assédio moral em seus ambientes de trabalho e adoecendo, se incapacitando e obrigados a se aposentar, muitas vezes, com proventos bem abaixo de seus rendimentos da ativa.
É preciso entender, primeiro, como funcionava e como funciona a aposentadoria por invalidez do servidor público, hoje chamada de aposentadoria por incapacidade permanente, e a quem ela se aplica.
A quem se aplicam essas regras?
As regras que a gente vai tratar aqui neste artigo são relacionadas aos servidores públicos da União e aos servidores de estados e municípios que tenham aderido à reforma da previdência, tal como ela foi aprovada.
Muitos estados e municípios já aprovaram as suas próprias reformas, com algumas alterações. Outros simplesmente aderiram, no entanto, em data posterior.
Portanto, se você é servidor público estadual o municipal, é preciso primeiro verificar a situação do ente ao qual você está ligado para saber se as regras aqui são ou não aplicáveis a você.
Como era a aposentadoria por invalidez do servidor público antes da reforma?
Os servidores públicos que se incapacitaram antes da Emenda Constitucional 103/2019, a Reforma da Previdência, publicada em 13.11.2019 e com vigência em 14.11.2019, poderiam se aposentar com proventos integrais e integralidade, ou proventos integrais sobre a média aritmética simples das 80% maiores contribuições de julho de 1994 até a data da aposentadoria, independente dos anos que tivessem contribuído, desde que a invalidez tivesse sido decorrente de acidente de trabalho, doença ocupacional ou doença grave, assim prevista em lei.
Nesses casos os proventos eram integrais com integralidade aos servidores com ingresso no serviço público até 19.02.2004 (significa 100% da última remuneração do cargo em que se deu a aposentadoria), ou integrais sobre a média, aos servidores que ingressaram no serviço público a partir de 01.01.2004 (significa 100% da média aritmética simples das 80% maiores contribuições de julho de 1994 até a data da aposentadoria).
Aos servidores incapacitados por uma doença comum (não considerada grave por lei), tampouco por doença ocupacional, profissional ou acidente de trabalho, recebiam proventos proporcionais aos anos de contribuição antes da inatividade, ou seja, a proporcionalidade entre os anos cumpridos de trabalho antes da aposentadoria por incapacidade, dividido pelo número de anos que trabalharia para se aposentar voluntariamente, ou seja, 35 ou 30 anos, respectivamente, para homens e mulheres.
Aplicava-se a proporção sobre a última remuneração do cargo ou sobre a média aritmética simples das 80% maiores contribuições de julho de 1994 até a data da aposentadoria, a depender da data de ingresso no serviço público.
As perdas da aposentadoria por invalidez após a reforma
Com a reforma da previdência, as aposentadorias concedidas em razão de incapacidade que ocorreu a partir de 14.11.2019 não dão mais direito ao recebimento da integralidade, já que a EC 103/19 revogou o art. 6º-A da EC 41/03. Em nenhuma hipótese a aposentadoria por incapacidade permanente do servidor garantirá proventos calculados com base na última remuneração do cargo efetivo, ainda que o servidor tenha ingressado no Serviço Público até o dia 19.12.2003.
A partir da EC 103/2019 toda e qualquer aposentadoria por incapacidade permanente, seja ela por acidente de trabalho ou doença ocupacional, seja ela por doença tida como grave por lei, ou doença comum, os proventos serão calculados a partir da média aritmética simples e não mais sobre a última remuneração do servidor.
Além disso, a média agora é de todas as contribuições de julho de 1994 até a data da inativação, e não há mais exclusão das 20% menores.
A terceira mudança, é que só haverá proventos integrais, ou seja, 100% da média aritmética simples das remunerações do servidor a partir de julho de 1994, quando o servidor público tiver ficado incapacitado em razão de doença ocupacional, profissional e acidente de trabalho.
Não há mais proventos integrais para incapacidades por doenças graves assim previstas em lei.
Os servidores que tiverem se incapacitado em razão de uma doença não relacionada ao trabalho ou acidente de trabalho, receberão proventos proporcionais ao tempo que tiverem contribuído, calculados sobre a nova média que considera todas as contribuições.
Nesse caso, primeiro far-se-á a média aritmética simples de todas as contribuições, de julho de 1994 até a data da incapacidade, e depois calcular-se-á sobre esta média, o coeficiente de 60% sobre a média para todos os servidores públicos que tiverem contribuído por até 20 anos.
Para cada ano que ultrapassar os 20 anos de contribuição, somar-se-á 2% ao coeficiente, de modo que para que o servidor receba 100% da média, terá que ter contribuído por 40 anos antes de ter ficado incapacitado.
Concluindo, as mudanças são:
- 1) não há mais aposentadoria por incapacidade permanente, antes chamada de aposentadoria por invalidez, de 100% sobre a última remuneração, já que o dispositivo que previa essa possibilidade, foi revogado pela reforma da previdência;
- 2) servidores públicos incapacitados por doenças, ainda que sejam graves, contagiosas e incuráveis, ao se incapacitarem, receberão proventos proporcionais ao tempo de contribuição, ou seja, 60% da média aritmética simples de todas as remunerações, de julho de 1994 até a data da incapacidade, para quem tiver contribuído até 20 anos, somando-se 2% ao ano que ultrapassar esta marca;
- 3) a incapacidade permanente causada pelo acidente de trabalho, doença profissional ou ocupacional darão direito a proventos de 100% da média aritmética simples, de todas as remunerações do servidor, desde julho de 1994, independente da data de ingresso no serviço público;
- 4) doenças graves assim consideradas por lei não darão direito ao tratamento diferenciado, aplicando-se a regra de cálculo do item 2.
Nota-se pelas mudanças trazidas pela Reforma da Previdência, que ganhou extrema importância a data em que se deu a incapacidade, se ela é ou não decorrente de doença ocupacional, profissional ou acidente de trabalho e, em caso de ter ocorrido antes do advento da reforma, se é ou não é decorrente de uma doença tida por lei como grave.
A verdade é que os regimes próprios de previdência, pelos núcleos de perícias, costumam dificultar o reconhecimento de nexo entre as doenças incapacitantes e o trabalho ou mesmo de um acidente de trabalho.
Além disso, é preciso compreender que ainda que a relação da doença não seja direta ou única com trabalho, mas outras causas tenham contribuído para o desencadeamento ou agravamento da doença incapacitante, já será suficiente para obter o reconhecimento de que a doença é relacionada ao trabalho e que portanto, os proventos devem ser de 100% sobre a média.
Há casos ainda, que embora a aposentadoria tenha se dado sob a égide da lei anterior que garantia a aposentadoria integral a quem se incapacitasse por doença grave, muitas vezes a aposentadoria era concedida na proporcionalidade, como se a doença não estivesse no rol das doenças graves e não tivesse direito ao tratamento diferenciado.
Porém, dentre as revisões mais comuns pelo país estão, sem dúvida, as causadas pela falta de reconhecimento da relação entre a doença e o trabalho. Nesse caso, decorre da revisão com reconhecimento, efeitos financeiros que podem aumentar em até 3 vezes os proventos de aposentadoria concedidos.
Exemplificando, pode-se citar o caso de uma agente de saúde que sofreu acidente de trabalho em 2008, com lesões em coluna, braço e joelho. Retornou ao trabalho, e em 2011 novamente teve que se afastar em razão do agravamento de seu problema na coluna, tendo em 2013 se aposentado por invalidez, recebendo proventos proporcionais.
A servidora pediu a revisão de sua aposentadoria, defendendo que o problema da coluna não tinha como causa única a degeneração pela idade, mas que tinha relação com o acidente de trabalho, e ainda, com o próprio trabalho, já que a mesma tinha que carregar mochilas pesadas e se deslocar de bicicleta por todos os anos em que atuou como agente de saúde. Com base nas provas, inclusive pericial feita em juízo, a revisão foi concedida, e de aposentadoria com proventos proporcionais, ela passou a receber aposentadoria com proventos integrais, recebendo os efeitos financeiros da revisão a contar da sua aposentadoria.
É só um exemplo, dos muitos casos de revisão de aposentadoria concedida na justiça, em razão de erro pela administração pública no enquadramento e verificação da natureza da doença que gerou a incapacidade.
Até a próxima.
Priscila Arraes Reino é advogada especialista em direito previdenciário e direito do trabalho, coordenadora adjunta do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário por MS, vice presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de MS, primeira secretária da Comissão da Advocacia Trabalhista da OAB/MS, e palestrante. Visite nosso site: arraesecenteno.com.br