ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram
NOVEMBRO, SÁBADO  23    CAMPO GRANDE 31º

Artigos

Agrotóxicos no Brasil: entre a produção e a segurança alimentar

Por Juliana Vieira Paz e outros (*) | 13/12/2023 13:30

A relação complexa entre o uso de agrotóxicos e a segurança alimentar no Brasil é um tema crucial e multifacetado. Enquanto esses produtos químicos são amplamente utilizados para maximizar a produção de alimentos, surgem questionamentos sobre os impactos na saúde humana, no meio ambiente e na qualidade dos alimentos consumidos. Neste cenário, é fundamental analisar como o aumento exponencial no uso de agrotóxicos se relaciona com a segurança alimentar da população brasileira.

Este foi o objetivo de uma pesquisa desenvolvida pelos autores, a ser publicada em forma de capítulo de livro durante o 17º Simpósio de Pós-Graduação e Pesquisa em Nutrição e Produção Animal, realizado em dezembro de 2023. Neste contexto, ressalta-se a importância do Brasil como consumidor de agrotóxico. No período de 2003 a 2021, o Brasil obteve um crescimento no consumo anual de agrotóxicos de 392%, o que coloca o país na primeira posição entre os maiores consumidores desse tipo de composto. Em 2021, o consumo atingiu 720 milhões de toneladas, um aumento de quase quatro vezes em relação a 2003, quando era de 183 milhões de toneladas. Além disso, a quantidade consumida por hectare de área cultivada aumentou significativamente, atingindo 10,9 kg ha-1 em 2021, quase 3,5 vezes mais do que em 2003. É importante notar que o consumo brasileiro supera em 1,57 vezes o consumo dos Estados Unidos, o segundo maior consumidor mundial de agrotóxicos, que registrou 457 milhões de toneladas em 2021.

Ao mesmo tempo, o Brasil é um importante produtor de commodities, seja para exportação (cana-de-açúcar, milho e soja) ou para consumo (arroz e feijão). No mesmo período (2003 a 2021), observa-se um aumento na área plantada e produção de cana-de-açúcar, milho e soja em mais de 80%. Em contraste, a área cultivada de arroz e feijão diminuiu nesse mesmo período. O consumo de agrotóxicos no Brasil é predominantemente associado às commodities de exportação, incluindo soja, milho e cana-de-açúcar, que juntos consomem 76% do total de agrotóxicos utilizados no País. Além disso, dados do Ipea revelam um aumento significativo na quantidade de agrotóxicos necessários para produzir a mesma quantidade de produtos agrícolas. Por exemplo, no Mato Grosso, em 2016, foi necessário usar o dobro de agrotóxicos em comparação com 2001 para produzir mil reais de produção agrícola. Esses dados indicam que a intensificação no uso de agrotóxicos não está associada apenas à eficiência técnica, mas também pode ser resultado de outros fatores presentes nessas propriedades.

Percebe-se, então, que o uso de agrotóxicos para aumentar a produção e alimentar o planeta parece ser um argumento frágil. Com isso, para iniciar a abordagem sobre a relação sobre o uso de agrotóxicos e a fome e insegurança alimentar, primeiramente devemos conceituar as duas abordagens. O termo “fome” é utilizado pela FAO como sinônimo de subnutrição crônica, ou seja, quando não há consumo regular de quantidade suficiente de calorias para uma vida saudável. Já a segurança alimentar pode ser classificada em quatro níveis segundo a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia): segurança alimentar (SA), insegurança alimentar (IA) leve, IA moderada e IA grave.

Dados mundiais apontam um decrescimento da porcentagem de pessoas em situação de insegurança alimentar entre 2000 e 2013, com 14,7% e 10,8% de pessoas subalimentadas, respectivamente, seguido por período de taxas estabilizadas entre 2013 e 2015. Contudo, estima-se que, em 2022, entre 691 e 783 milhões de pessoas passaram fome no mundo, cerca de 122 milhões a mais de pessoas comparado ao ano de 2019, antes da pandemia da covid-19.

O Brasil acompanhou essas variações ao longo dos anos. Em 2014, o País saiu do Mapa da Fome, alcançando uma taxa inferior a 5% da população nacional em situação de fome grave. Porém, retornou à lista em 2022, com prevalência de 4,7% da população em insegurança alimentar grave e 32,8% de pessoas em insegurança alimentar moderada ou grave. Nota-se que a partir de 2013 a IA da população urbana cresce de forma superior ao se comparar com a população rural. Ou seja, em ambas as populações houve crescimento positivo do número de pessoas em insegurança alimentar leve, moderada e grave, porém, o crescimento dessas taxas na população urbana foi superior ao crescimento na população rural.

Observa-se que em 2003 havia uma maior porcentagem da população urbana em segurança alimentar comparado a população rural, que possuía maiores índices de insegurança alimentar leve, moderada e grave. Em 2013, mesmo com a melhora da situação alimentar de ambas as populações em comparação a 2003, a população rural permanecia com menor taxa de segurança alimentar comparada à população urbana, com 17 pontos porcentuais de diferença. Entretanto, em 2021, percebe-se uma alteração na dinâmica: além da piora acentuada da situação alimentar geral, com menor parcela da população em segurança alimentar comparado ao ano de 2003, as proporções de segurança e insegurança alimentar foram mais similares entre as populações urbana e rural, com seis pontos porcentuais a mais de pessoas em segurança alimentar na população urbana. A maior diferença é encontrada na insegurança alimentar grave, com 18,62% da população rural e 14,99% da urbana submetidas a essa condição.

A insegurança alimentar no Brasil pode ter causas variadas e percebe-se um aumento em suas taxas após o ano de 2013, fato este influenciado pela recessão econômica do País observada no período de 2014 a 2017. Sendo assim, fatores como a dinâmica da pobreza da população brasileira ao longo dos anos é um importante fator a ser analisado ao avaliar dados de insegurança alimentar. Os dados dos relatórios do Penssan de 2021 e 2022 também demonstram um aumento na insegurança alimentar moderada e grave (33,36% e 73%, respectivamente). Isso ressalta que o grau de insegurança alimentar piorou entre a população, e no mesmo período também há um expressivo aumento da taxa de pobreza. Muito pode ser atribuído à pandemia por coronavírus (covid-19), devido à diminuição na quantidade de pessoas que mantinham a renda por meio do trabalho e com queda no rendimento médio mensal das famílias.

Por fim, observando a evolução do uso de agrotóxicos, segurança e insegurança alimentar da população brasileira, observa-se que o aumento do consumo de agrotóxicos não foi acompanhado pelo aumento da segurança alimentar na população brasileira. De acordo com os dados analisados, fica evidente que a segurança alimentar é multifacetada, tendo influência da disponibilidade de alimentos, renda, políticas de distribuição de renda, crescimento econômico, ocupação das pessoas, entre outros. Portanto, há indícios de que o consumo de agrotóxicos não seja fundamental para o aumento da segurança alimentar da população, uma vez que o acesso à alimentação em níveis suficientes para uma vida saudável é influenciado por outros fatores além de apenas os aspectos de indicadores produtivos da lavoura.

Sendo assim, há necessidade de melhorias em relação ao uso de agrotóxicos, tornando seu uso mais racional. A justificativa para uso de agrotóxicos devido à sua importância na diminuição da insegurança alimentar e fome é questionável. Os dados evidenciam o aumento do uso de agrotóxicos por hectare cultivado ao longo dos anos, o que corrobora o conceito de rota da dependência a estes compostos químicos. A dependência da agricultura a esses compostos pode ser relacionada ao aumento da resistência das pragas a serem combatidas com esses produtos, além do desequilíbrio do solo tanto em aspectos ecológicos quanto em queda de fertilidade. Além disso, ressalta-se neste estudo o aumento da fome e insegurança alimentar no Brasil e a característica multifacetada da sua origem.

Com isso, o uso de pesticidas no Brasil deve ser revisto, visando melhor alinhar a saúde humana, animal, a qualidade do alimento fornecido ao consumidor e a preservação ambiental.

(*) Juliana Vieira Paz é pesquisadora do Laboratório de Análise Socioeconômica e Ciência Animal da USP.

(*) Vanessa Theodoro Rezende é pesquisadora do Laboratório de Análise Socioeconômica e Ciência Animal da USP.

(*) Augusto Gameiro é professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP.

(*) Rolando Pasquini Neto é pesquisador do Laboratório de Análise Socioeconômica e Ciência Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP.

(*) Carmo Gabriel da Silva Filho é pesquisador do Laboratório de Análise Socioeconômica e Ciência Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP.

(*) Rafael Araújo Nascimento é pesquisador do Laboratório de Análise Socioeconômica e Ciência Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP.

Nos siga no Google Notícias