Água no centro do debate sobre alimentação
Ao manter o combate à desigualdade com o lema de “não deixar ninguém para trás”, em 2023, o Dia Mundial da Alimentação lança luz aos recursos hídricos com o tema Água é vida. Água é alimento. Não deixar ninguém para trás. A data é uma iniciativa global dedicada a aumentar a conscientização sobre a importância dos sistemas alimentares sustentáveis e do combate à fome em todo o mundo, e é comemorada em 16 de outubro, data de fundação, em 1945, da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura).
Essencial à vida, a água é um recurso finito que desempenha um papel vital na garantia da segurança alimentar e nutricional para todos. De acordo com dados da FAO, no mundo todo 2,4 bilhões de pessoas vivem em países com escassez de água. No Brasil, dados da 2ª Pesquisa Nacional sobre Insegurança Alimentar durante a Pandemia de Covid-19, da Rede Penssan, apontam que cerca de 12% da população brasileira vive com restrição de acesso regular e permanente à água. Entre os domicílios brasileiros com insegurança hídrica, 42% também apresentam situação de insegurança alimentar grave, ou seja, fome.
Pensar sobre o acesso à água requer, além de considerar o saneamento básico e o combate às desigualdades em nível local, que se reflita em nível global sobre as mudanças climáticas. De acordo com a Comissão EAT Lancet, a produção de alimentos é a maior causa das mudanças ambientais globais. A agricultura ocupa cerca de 40% das terras globais, e a produção de alimentos é responsável por até 30% das emissões globais de gases de efeito estufa e por 70% da utilização de água doce. Dessa forma, é importante reconhecer o conceito de saúde planetária como diretriz para pensar o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), à luz da escassez hídrica, pois representa uma abordagem integrativa, transdisciplinar e global sobre a sustentabilidade e a preservação da vida humana no planeta.
Nas últimas décadas, a extração excessiva de águas subterrâneas, a poluição e as alterações do clima provocaram a redução de 20% da disponibilidade per capita de água doce e comprometeram a qualidade desses recursos. O GTI de Sistemas Alimentares do Saúde Planetária Brasil tem um importante papel na promoção de discussões e pesquisas que abordem a intersecção entre sistemas alimentares, saúde planetária e sustentabilidade por meio de ações de difusão e estudos conjuntos com a sociedade, gestores e academia.
Atualmente cerca de 600 milhões de pessoas dependem de sistemas alimentares aquáticos para subsistência e enfrentam os efeitos da poluição, degradação de ecossistemas, práticas insustentáveis e mudanças climáticas. É o caso dos povos ribeirinhos dos territórios amazônicos, que têm se contaminado com mercúrio advindo do garimpo, por exemplo.
As medidas adotadas globalmente para promover saneamento e higiene resultaram, entre 2015 e 2022, em um aumento de apenas 4% no número de pessoas com acesso à água; portanto, claro está que não foram suficientes para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável em 2030.
O caminho para a diminuição das desigualdades que atravessam as diversas dimensões que garantem a vida plena, promovendo alimentação adequada e saúde para todas as pessoas, pressupõe governança com participação popular e mecanismos regulatórios para acesso e uso dos recursos hídricos.
Que esta semana em que é celebrado o Dia Mundial da Alimentação seja mais uma oportunidade para alertar que não há tempo a perder na construção de uma sociedade mais justa e sustentável!
(*) Angélica Pinheiro é pesquisadora convidada do Grupo Interdisciplinar de Sistemas Alimentares do Saúde Planetária Brasil do Instituto de Estudos Avançados da USP, e outros autores.
(*) * Aline Carvalho, Alisson Machado, Donovan Humphrey, Flávia Schwartzman, Isabela Prado Martins, Josiane Steluti, Semiramis Domene, Vanessa Góes e Ylana Rodrigues, pesquisadores do GTI de Sistemas Alimentares do Saúde Planetária Brasil. Revisão: Daniela Vianna.