As três mudanças cruciais da saúde
Sem a velha introdução sobre o impacto dos custos em saúde, sem repetir dados já batidos acerca do crescimento da inflação médica ou da insustentabilidade do sistema de saúde, vou logo ao remédio: a grande transformação da saúde precisa se dar em três esferas – no indivíduo, nos prestadores e nos administradores.
Estes últimos, os responsáveis pela administração dos serviços e dos custos envolvidos no processo assistencial, aqui representados pelos gestores das empresas patrocinadoras, precisam modificar o modelo de remuneração dos prestadores e de suporte aos indivíduos. O modelo atual de pagamento é orientado ao procedimento, isto é, quanto mais consultas o médico atende, mais ele ganha; quanto mais exames o hospital pede, mais ele cobra; quanto mais medicamentos o paciente toma durante a internação, mais ele gasta; quanto mais prestadores a empresa quer de sua operadora de saúde, mais ela paga.
Este modelo promove a incorporação acrítica de tecnologias, o emprego de métodos insuficientemente testados e a falsa percepção de que quanto mais, melhor. O que esperar de um modelo configurado desta forma? Evidentemente que mais exames sejam solicitados, mais medicamentos sejam prescritos, mais procedimentos sejam feitos e mais atendimentos sejam realizados. Consequentemente, pagos. Os pagadores, por sua vez, pessoas físicas, empresas ou governo que seguram o final desta linha, irão lutar por custos menores. Os prestadores, em contrapartida, a fim de manter seu faturamento e existência, rapidamente reagirão solicitando, prescrevendo e realizando mais e mais. Um ciclo nada virtuoso para quem estiver preocupado de fato com o bem do indivíduo.
Os prestadores, na conformação atual, não estão sendo cobrados pelo resultado que podem proporcionar aos seus pacientes, pois não são remunerados por isso. São remunerados por realizar procedimentos, lato sensu, logo, realizarão a maior quantidade que puderem, ainda que isso (muitas vezes) não represente o melhor para o paciente. Somente após a mudança do modelo de remuneração é que começaremos a caminhar para a melhoria contínua de serviços, para custos mais racionais e para a tão desejada sustentabilidade.
E isso passa longe de ser utópico: as chamadas ACO (Accountable Care Organizations) já representam passos concretos neste caminho. São constituídas por empresas pagadoras, prestadores e administradoras de saúde que, nos EUA, abriram o jogo entre si, colocaram todas as cartas na mesa, a fim de criar e entregar uma nova cadeia de valor para o paciente. São núcleos de médicos, hospitais, operadoras de saúde e empresas patrocinadoras que se acertaram em serviços orientados ao resultado para os pacientes, balizados por objetivos, indicadores e formas de remuneração mutualmente acordados. Seus resultados surpreendentes vem sendo ignorados no Brasil, com as mesmas desculpas de sempre, quase todas sedimentadas na inércia operacional e nos interesses por ganho imediato - os maiores corruptores da eficiência do sistema de saúde suplementar brasileiro.
E quanto ao indivíduo? O que precisa ser modificado neste, que é o principal ator de qualquer cenário da saúde? O que devemos buscar melhorar nele para contribuirmos com o resultado que o conjunto de serviços de saúde tenta lhe proporcionar? O indivíduo precisa aumentar a adoção de comportamentos saudáveis, como praticar exercícios regularmente, não fumar, alimentar-se de forma saudável, manter-se no peso adequado, etc. Nenhuma novidade aqui, além da constatação de que, como gestores, estamos sendo bastante ineficientes neste quesito – portanto faz-se necessário aperfeiçoarmos rapidamente as maneiras como podemos incentivar a incorporação destas práticas.
Mas é na mudança da forma como este indivíduo consome serviços médicos que reside um dos pilares mais importantes para a reorganização da saúde suplementar no Brasil. Inicialmente é preciso conscientizar o indivíduo dos custos envolvidos na assistência à sua saúde. Sem entender quanto isto ou aquilo realmente custa, não há como esperar um consumo consciente. Na sequência, precisamos instrumentalizar estes ávidos consumidores para que suas escolhas estejam dirigidas aos profissionais, clínicas, laboratórios, hospitais, farmácias e medicamentos que podem realmente fazer melhor para sua saúde. Este ponto está intimamente ligado às alterações para um modelo orientado ao resultado na remuneração de prestadores.
Só conseguiremos estas mudanças, desde a esfera do indivíduo à do administrador de saúde, com a devida transparência na gestão das informações envolvidas na assistência suplementar à saúde. A informação bem estruturada, provida, colhida e registrada no ponto de cuidado, é a maior força por trás de qualquer movimento de melhoria dos resultados assistenciais. Ela é o único ponto de contato entre o indivíduo, o prestador e o administrador de saúde, que pode beneficiar a todos. Seu compartilhamento é crucial para o entendimento das necessidades dos indivíduos e para a identificação de oportunidades de melhoria na assistência que está sendo prestada. Atualmente a informação do que se passa no processo assistencial é totalmente fragmentada, reside em silos isolados. O médico a colhe apenas para si – não porque deseja genuína e firmemente proteger o que lhe foi confidenciado, evocando os poderes do sigilo médico, mas principalmente porque lhe faltam instrumentos, seguranças, cobranças e benefícios para fazê-lo.
Em resumo, as pessoas precisam melhorar o protagonismo em torno de sua própria saúde, através da adoção de práticas mais saudáveis e da compra consciente de serviços médicos que demonstraram real capacidade de lhe assistir bem. Os prestadores tem que se voltar a melhorar o resultado que levam a seus pacientes, colhendo e compartilhando os dados assistenciais de forma mais transparente, sem contudo sacrificar a segurança das informações ou o sigilo médico. E os administradores de saúde, por sua vez, precisam objetivamente incentivar a adoção de estilos de vida saudáveis, mas sobretudo transformar o modelo de pagamento baseado em procedimentos em um modelo baseado em resultados, processando e gerenciando as informações assistenciais de forma mais organizada e sistematizada.
(*) Gustavo Guimarães é diretor técnico da Funcional