ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram
NOVEMBRO, SEXTA  22    CAMPO GRANDE 32º

Artigos

Avicultura de postura e bem-estar animal

Camila Lopes Carvalho, Nathalia de Oliveira Telesca Camargo e Gabriela Miotto Galli (*) | 15/10/2021 13:30

Durante as décadas iniciais do estudo da ciência do bem-estar, atender às necessidades básicas do animal era primordial, como o funcionamento biológico e as características físicas do ambiente. Com o passar dos anos, as evidências científicas revelaram que os animais são seres sencientes, ou seja, capazes de sentir e demonstrar suas emoções. Com isso, passou-se a considerar as preferências dos animais, a fim de evitar o sofrimento e suprir suas necessidades como um todo.

Inúmeros conceitos são utilizados para definir o que é bem-estar animal.  Segundo a Organização Mundial da Saúde Animal (OIE), o termo “bem-estar animal” significa o estado físico e mental de um animal em relação às condições em que ele vive e morre.  A OIE menciona que esses seres vivos experimentam um adequado bem-estar se estiverem saudáveis, confortáveis, bem nutridos, seguros, não estiverem sofrendo estados desagradáveis, como dor, medo e angústia, e forem capazes de expressar comportamentos que são importantes para o seu estado físico e mental.

A avicultura industrial brasileira foi consolidada e estimulada por políticas públicas a partir da década de 1970. Atualmente, a avicultura de postura se apresenta tecnificada, com automação do setor e mudanças importantes na genética, sanidade e nutrição das aves, sendo que tais fatores são os responsáveis pela alta produção de ovos. Em 2020, foram produzidos cerca de 53 bilhões de ovos, com um consumo per capita de 251 ovos por habitante no Brasil.

Os sistemas de criação de galinhas poedeiras podem ser classificados em intensivos (em gaiolas ou sobre o piso, em galpões abertos ou fechados) e extensivos (ao ar livre/free range, orgânico e colonial/caipira). O sistema de produção predominante no mundo é o sistema intensivo, com o uso de gaiolas em galpões fechados, porém, nos últimos anos, a preocupação com o bem-estar vem provocando mudanças na avicultura. Inúmeras críticas têm sido feitas sobre o modo como essas aves são criadas, visto que durante todo o ciclo de produção não é permitido que elas expressem algumas características naturais da espécie.

Em relação ao comportamento, é conhecido que, apesar da sua seleção genética para uma melhor adaptação fisiológica e comportamental, as aves criadas em sistemas de gaiolas tentam executar hábitos naturais como o banho de areia e o hábito de ciscar. Não há, entretanto, espaço nem material de cama para tal atividade, gerando frustração e estresse para as aves.

Já em sistemas de semiconfinamento, também conhecidos como “cage free” ou sob cama, as poedeiras são mantidas em galpões com piso. As aves podem ter acesso a camas, ninhos e poleiros. No sistema livre de gaiolas, as relações sociais e hierárquicas entre as poedeiras aumentam, justamente pela maior liberdade de espaço para expressarem seus comportamentos naturais.

O sistema de criação ao ar livre, extensivo ou “free-range” consiste em um sistema sem o uso de gaiolas, no qual as aves são criadas em áreas abertas com vegetação, mantendo o contato com a natureza, tendo acesso a banhos de areia e acesso direto aos ninhos e poleiros em diferentes alturas. Essa modalidade de criação tende a se tornar cada dia mais comum, pois preserva o bem-estar animal e permite que as aves expressem quase a totalidade de seus comportamentos naturais. Uma decorrência interessante é a coloração amarela da gema, o que atrai os consumidores. Existem tipos diferenciados de produção de ovos em sistemas ao ar livre cujos produtos recebem denominações específicas, como ovos orgânicos e ovos caipiras e/ou coloniais.

Em relação aos ovos orgânicos, um dos pilares dessa produção é a alimentação dos animais, que deve ser exclusivamente orgânica. Além disso, esses sistemas utilizam raças especializadas para altas taxas de postura e adaptadas ao ambiente de criação. Ainda, dá-se preferência à plantação de pomares nos locais de acesso às aves, além de densidades adequadas de animais e controle sanitário realizado por meio do uso de fitoterápicos, homeopáticos e acupuntura como forma de prevenção e tratamento de possíveis doenças.

Outro sistema de produção de ovos que tem demanda crescente entre os consumidores é o de ovos coloniais e/ou caipiras. A diferença entre este sistema e o orgânico se dá pela alimentação e o estilo de vida da galinha. Para receber esse registro, os ovos devem ser produzidos utilizando linhagens de poedeiras rústicas e adaptadas a esse sistema de criação, preservando o bem-estar animal.

Assim, podemos perceber que a preferência dos consumidores tem influência direta na estratégia dos produtores e varejistas. Mesmo que o conhecimento sobre os sistemas de produção de ovos seja escasso, os consumidores estão dispostos a pagar um maior valor por ovos produzidos em sistemas com apelo comercial relacionado à saúde e segurança alimentar, pelo bem-estar das aves ou por acreditarem que tais alimentos são mais saudáveis.

A preocupação da sociedade, então, produz implicações nos mais diversos âmbitos da produção animal, gerando reflexos econômicos, culturais, legais e científicos.  A ciência do bem-estar vem ganhando cada vez mais atenção, visto que os consumidores se apresentam mais preocupados com a origem dos produtos que consomem, criando novos mercados a partir da sua demanda. Por isso empresas e indústrias devem se adequar e melhorar seus padrões de bem-estar animal, para que as aves sejam criadas em sistemas mais extensivos, nos quais seja possível às aves expressar seu comportamento natural e diminuir o estresse. Assim, adaptar-se a essas formas de criação exigirá, em um curto período de tempo, esforços de médicos veterinários, zootecnistas, engenheiros agrônomos, produtores e de todos aqueles ligados à avicultura de postura. Investir em bem-estar animal será, portanto, uma ferramenta essencial para agregar valor aos produtos e impulsionar ainda mais a cadeia da avicultura de postura.

(*) Camila Lopes Carvalho é médica veterinária e mestranda no PPG em Zootecnia.
(*) Nathalia de Oliveira Telesca Camargo é zootecnista e doutoranda no PPG em Zootecnia.
(*) Gabriela Miotto Galli é zootecnista e doutoranda no PPG em Zootecnia da UFRGS.

Nos siga no Google Notícias