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Ciência: basta de retrocessos

Isaac Roitman(*) | 30/10/2021 14:00

A história brasileira nas últimas décadas é muito triste. No século passado era moda se falar que o Brasil era o país do futuro. Os argumentos eram múltiplos. Informação genética dos brasileiros diversificada, fruto do cruzamento de diferentes etnias. Terras cobertas de florestas verdejantes. Água em abundância, terras abençoadas para a produção de alimentos ricas em minérios de diferentes aplicações, diversidade na matriz energética, cultura e artes diversificadas e encantadoras, berço de poetas, escritores e compositores e belezas exuberantes. Sistema de Ciência e Tecnologia em consolidação. País com tradição de acolher imigrantes, de alegrias mil, expressa nos estádios de futebol e no Carnaval.

O nosso Brasil teria tudo para dar certo. E não deu. Deu no que deu. Continuamos como um país colonizado, com perda gradativa de soberania. Testemunhamos um aumento da desigualdade social e pobreza com poucas perspectivas e esperanças.

A implantação de nosso sistema de Ciência e Tecnologia é relativamente recente. Os principais marcos históricos são:

1 – Criação do Museu Nacional (1818);

2 – Primórdios da Fundação Oswaldo Cruz (1900);

3 – Fundação da Academia Brasileira de Ciências (1916);

4 – Fundação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (1948);

5 – Criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico / CNPq (1951);

6 – Criação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior / Capes;

7 – Criação da Fundação de Ampara à Pesquisa do Estado de São Paulo / Fapesp (1960);

8 – Criação da Financiadora de Estudos e Projetos / Finep (1967);

9 – Criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária / Embrapa (1972);

10 – Criação do Ministério de Ciência e Tecnologia / MCT (1985).

Apesar de altos e baixos nas últimas décadas a Ciência brasileira avançou com posição honrosa na contribuição ao conhecimento e consolidou um sistema de pós-graduação com qualidade. No entanto, decisões recentes de cortes orçamentários estão provocando uma crise nunca vista na história do desenvolvimento científico brasileiro.

O orçamento total previsto para o MCTI neste ano é da ordem de R$ 8,3 bilhões, comparado a R$ 11,8 bilhões em 2020. O valor reservado para “despesas discricionárias” (ou seja, efetivamente disponível para investimentos em pesquisa), porém, é de apenas R$ 2,7 bilhões, 15% a menos do que em 2020 e 58% a menos do que em 2015 (quando o orçamento já estava em queda).

Considerando o crescimento da comunidade científica ao longo das últimas décadas, o orçamento pode ser considerado o menor da história, em termos da sua capacidade de atender às demandas do setor. E para o nosso espanto, mais um corte em torno de R$ 600 milhões, um genuíno retrocesso.

Quais seriam as consequências principais desse retrocesso?

1 – A descontinuidade de inúmeros projetos de pesquisas;

2 – O gradual desaparecimento de grupos e redes de pesquisas que estavam em consolidação nos últimos anos;

3 – A fuga de cérebros, principalmente de jovens pesquisadores, para países que entendem o papel da Ciência e Tecnologia no seu desenvolvimento social e econômico;

4 – O desencanto e desestimulo dos jovens para se prepararem para uma carreira científica.

A sociedade civil organizada, comandada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e Academia Brasileira de Ciências, não está calada. É fundamental todos protestarem. Não é o momento de silêncio e passividade.

Lembremos de Martin Luther King que disse: “Quem aceita o mal sem protestar, coopera com ele”. Não vamos ser cúmplices daqueles que planejam e agem para assassinar o futuro. É hora da luta. Diga não ao retrocesso.

(*) Isaac Roitman é doutor em Microbiologia, professor emérito da Universidade de Brasília, coordenador do Núcleo de Estudos do Futuro (n.Futuros/Ceam/UnB), membro titular de Academia Brasileira de Ciências. Ex-decano de Pesquisa e Pós-Graduação da UnB, ex-diretor de Avaliação da Capes, ex-coordenador do Grupo de Trabalho de Educação, da SBPC, ex-subsecretário de Políticas para Crianças do GDF. Autor, em parceria com Mozart Neves Ramos, do livro A urgência da Educação.

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