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Ciência em crise, futuro em risco

Maurício Antônio Lopes (*) | 15/08/2017 07:25

Num mundo já imerso na economia do conhecimento, o desenvolvimento de capacidade científica e tecnológica se tornou essencial para o futuro das nações. Hoje, é impossível imaginar progresso continuado e sustentável sem geração de conhecimentos que produzam melhorias econômicas, avanços na capacidade dos governos e na qualidade de vida das pessoas. A ciência, que alimenta a capacidade inventiva do homem, se destaca com eventos impressionantes na trajetória humana, desde a prensa de Gutemberg, que nos deu os livros, à máquina a vapor, que iniciou a transformação industrial do século XX, à revolução verde, com plantas mais eficientes, fertilizantes e defensivos que permitiram a multiplicação da produção de alimentos, salvando milhões de pessoas da fome.

Enquanto mudanças políticas e sociais no mundo se dão de modo lento e linear, a mudança científica e tecnológica se dá, cada vez mais, de modo acelerado e exponencial. Da invenção do telégrafo ao desenvolvimento do primeiro microprocessador foram 140 anos. Daí por diante, os avanços foram alucinantes: computadores cada vez mais possantes, a Internet, telefones celulares, inúmeras aplicações do laser, CDs e DVDs, mídias sociais, cinema 3D, o carro elétrico, drones, clonagem, medicamentos cada vez mais sofisticados e mais, muito mais. Nunca houve momento melhor para estar vivo na história da humanidade do que agora.

Se os avanços que já alcançamos impressionam, o que ainda está por vir assusta e pode até assombrar. A inteligência artificial integrada à robótica irá virar de ponta-cabeça muitas indústrias tradicionais na próxima década; a computação cognitiva irá revolucionar o diagnóstico de doenças e prover aconselhamento legal com grande precisão, alterando a medicina e a advocacia de forma radical; carros autônomos mudarão a lógica de mobilidade nas cidades, eliminando a profusão de vias e os imensos estacionamentos, com impactos que modificarão tudo, do traçado urbano à indústria de seguros. Energias alternativas e métodos avançados de dessalinização viabilizarão a produção de água potável em grandes quantidades a custos acessíveis. Impressoras 3D permitirão a produção customizada de calçados, roupas, edificações e até de peças de reposição de máquinas e equipamentos sofisticados em lugares remotos.

Diante de mudanças tão aceleradas, como um país se prepara? Como ajusta sua indústria, os serviços, os empregos e a vida das pessoas às incertezas e rupturas que virão do futuro? Uma resposta óbvia é: investindo em educação e na geração de conhecimento científico e tecnológico! Nesses tempos fluidos e mutáveis em que vivemos, é preciso que dirigentes e lideranças compreendam que é da ciência que brotam as fontes mais acessíveis e seguras de orientação para governos, empresas e cidadãos. Cientistas são, em essência, indivíduos treinados a formular perguntas certas, a modelar experimentos e a partir deles tirar conclusões sustentadas em evidências. Eles são treinados a acessar informações em múltiplas fontes, a compartilhar o que aprendem ao conjunto do conhecimento disponível, para daí extrair e entregar valor para a sociedade. É por isso que o governo dos Estados Unidos conta com uma plataforma independente, denominada Academias Nacionais, composta pelos mais destacados cientistas do país, que produzem centenas de relatórios que orientam decisões do governo dos EUA todos os anos.

O país que falha em investir na geração de conhecimento próprio e em acessar e adaptar, à sua realidade, o conhecimento gerado em outros países condena sua economia, sua indústria e seus cidadãos a um futuro de dependência, à mercê do colonialismo tecnológico. Nós já vivemos isto no passado. Infelizmente, o Brasil de novo vive este risco, em função da persistente crise econômica que faz minguar, a níveis críticos, os investimentos públicos em pesquisa, ensino e inovação. Com isso, o Brasil pode ver definhar sua capacidade científica e tecnológica, com danos irreparáveis à infraestrutura de inovação e à política de treinamento e retenção de talentos, construídas a duras penas.

É raciocínio usual que, em momentos de crise fiscal, é difícil para a ciência competir por recursos com segurança pública, saúde, educação e outros setores em que há carências e passivos muito sérios. Mas o momento da crise pode ser também o tempo da criatividade e da ruptura no modo de se fazer as coisas. Além da defesa enfática do financiamento público à pesquisa, ao ensino e à inovação, é preciso também buscar fontes alternativas de financiamento. Por exemplo, aqueles em melhor situação econômica deveriam pagar pela Universidade dos seus filhos. E o Brasil poderia se beneficiar muito de legislação que regulamente a formação de fundos patrimoniais, capazes de receber e administrar recursos de desmobilização de patrimônio, de doações de pessoas físicas e jurídicas em benefício da pesquisa e da inovação. A Embrapa pleiteia há anos o direito de criar uma subsidiária que amplie sua capacidade de colaborar com o setor privado, fortalecendo sua presença no mercado de tecnologias, ao mesmo tempo gerando recursos adicionais para seus projetos de pesquisa. A hora é de agir com coragem e criatividade pela ciência e pelo futuro da sociedade brasileira.

(*) Maurício Antônio Lopes é presidente da Embrapa e graduado em Agronomia pela Universidade Federal de Viçosa-UFV (1983), com mestrado em Genética pela Universidade de Purdue (1989), e doutorado em Biologia Molecular de Plantas pela Universidade do Arizona (1993).

 

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