Ciência para a reconstrução
Em países democráticos, eleições servem para renovar lideranças e promover o debate público. Nesse ano, isso é de especial relevância para nós, pois precisamos nos recuperar dos danos após dois anos de pandemia, além de uma guerra em curso na Europa, que afeta a economia global.
Os desafios que teremos de vencer em saúde, educação, transporte, segurança, redução das desigualdades sociais, tudo isso em cenário de inflação global e escassez de determinados recursos naturais, exigirão planejamento, capacidade técnica e organização. A pandemia ceifou-nos mais de 670 mil vidas brasileiras. Embora ainda haja muitos contágios, as fatalidades diminuíram drasticamente graças às vacinas desenvolvidas em tempo recorde. Ciência salva vidas. Como diz o personagem de Matt Damon no filme Perdido em Marte, “We will have to science the shit out of this“. Literalmente, a gente vai precisar de muita ciência para sair desta situação.
Ao longo destes últimos quatro anos, vimos instituições septuagenárias, como a Capes e o CNPq, penarem com restrições orçamentárias que ameaçam sua sobrevivência. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) tem sofrido seguidos cortes. No ano passado, o Congresso aprovou a lei 177/2021, que impede o contingenciamento de recursos do FNDCT, após derrubar veto presidencial. Em editorial nesta Folha, publicado em 2/7, o governo é criticado por novamente bloquear R$ 2,5 bilhões do FNDCT.
Uma análise das economias mais prósperas do planeta permite estabelecer forte correlação entre prosperidade e investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Segundo dados da OCDE e do Banco Mundial, os principais países da União Europeia investem entre 2% e 3,5% de seu PIB em P&D; os EUA investem 3,45%; a China, 2,4%, e Israel chega a 5,4%, enquanto no Brasil permanecemos estagnados em investimento em P&D próximo a 1,2% do PIB.
É preciso que a sociedade dê um recado claro aos políticos: basta de cortes em educação, saúde, ciência e tecnologia para favorecer fundos eleitorais e obscuras emendas “de relator”, já popularizadas como “orçamento secreto”. Além de termos sentido na carne a necessidade de investimento em saúde, não podemos mais adiar a busca de soluções para a crise climática.
Se a devastação da Amazônia preocupa as nações europeias, estarrecidas diante das toneladas de carbono emitidas pela floresta em chamas, ela deveria nos preocupar ainda mais. O regime de chuvas no Sudeste é fortemente influenciado pelos “rios voadores”, os imensos volumes de vapor de água liberados pelas folhas das árvores e que se precipitam em forma de chuva: sem floresta, acabaremos com a agricultura, e a indústria parará por falta de água.
Finalizo com um exemplo da minha área de atuação. Em diversos países, os governos estão investindo fortemente na geração de novas tecnologias a partir da física quântica. Um exemplo é o lançamento de satélites com gravímetros baseados em interferometria atômica que permitirão descobrir a composição da terra, bem abaixo da superfície.
Em breve, outros países poderão conhecer as riquezas contidas no nosso subsolo, enquanto nós permaneceremos sem ciência, comprometendo nossa soberania. Sem ciência, não há desenvolvimento.
(*) Paulo Nussenzveig é professor do Instituto de Física da USP e pró-reitor de Pesquisa e Inovação.