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Como pensar em políticas públicas para a inclusão de pessoas negras

Por Eunice Aparecida de Jesus Prudente (*) | 28/12/2023 12:30

Integrar é incluir, tornar partícipe do todo social é a principal função do Estado, sociedade política responsável pela convivência de todos com fundamentos na equidade. Na República Federativa do Brasil, o Estado ainda está em construção.

Dados e informes nos remetem a realidades brasileiras gravíssimas na busca do Estado de Justiça que desejamos. De acordo com o último censo do IBGE de 2021, o analfabetismo atinge 11,2% da população negra e parda do Brasil. Enquanto isso, 70,7% dos jovens brancos entre 15 e 17 anos estão cursando o ensino médio, em comparação com apenas 55% da população negra com acesso ao mesmo ensino médio.

No ensino superior, o porcentual da população negra presente nas universidades era de apenas 5,5%, em contraste com os 26,5% da população branca que cursa e termina esta etapa.

Os índices educacionais são reveladores, iluminando questões sociais complexas e possibilitando a formulação de políticas públicas. Dados e informes de instituições oficiais ou da sociedade civil, em meio à política de dados abertos, nos permitem olhares interseccionais na medida em que interligamos esses dados e vamos apreendendo realidades.

Atentemos para nossas origens, foram 400 anos de escravização de pessoas negras! As consequências das brutalidades estão presentes, com a comunidade negra brasileira nas camadas miseráveis da pirâmide socioeconômica e sujeita às diversas violências do racismo. O Brasil foi o último Estado a abolir a escravização na América Latina, sem nenhuma providência política inclusiva para os negros!

A convenção contra todas as formas de discriminação racial, aprovada pela ONU em 1968, assinada e ratificada pelo Brasil, Decreto nº 65.810, de 8 de dezembro de 1969, prevê medidas especiais para integrar pessoas e grupos humanos excluídos. Compromissos descumpridos pelo Brasil. O movimento negro prosseguirá construindo a História do Brasil. Como primeiro movimento social brasileiro, o movimento negro surge nas rebeliões quilombolas.

Os movimentos sociais se uniram contra a ditadura e o movimento negro também esteve presente com propostas para a atual Constituição. Devendo-se reconhecer a relevância da Conferência de Durban, com participação de lideranças brasileiras onde foram conquistados os princípios e as coordenadas para o Estatuto da Igualdade Racial, Lei nº 12.288, de 2010.

Abertos, portanto, os caminhos para a adoção de políticas de ação afirmativa, principalmente através de cotas étnicas para negros, conforme IBGE, pessoas pretas e pardas. Louvamos seu início pela educação, enfrentando o racismo com a Lei de Cotas no ensino superior, Lei nº 12.711/2012. Além de outras distorções existentes no Brasil, são corrigidas com exigência de 20% de vagas para negros no serviço público federal, Lei nº 12.990/2014.

O Brasil acaba de assumir mais um compromisso necessário à sociedade solidária, com a assinatura e ratificação da Convenção Interamericana contra toda forma de discriminação e intolerância, aprovada pela OEA em 2013, promulgada no Brasil pelo decreto nº 10.932/2022, cujo artigo 5º determina a adoção de políticas especiais e ações afirmativas necessárias para assegurar gozo e exercício de direitos fundamentais de pessoas ou grupo de pessoas sujeitos à discriminação ou intolerância, com propósito de promover condições equitativas para igualdade de oportunidades e inclusão.

A implementação das ações afirmativas no Brasil provocou debates e muita resistência na sociedade. Mas, o Judiciário vem esclarecendo a plena constitucionalidade das medidas garantidoras de políticas de ação afirmativa, reforçando a importância do artigo 5º, § 2º, da Constituição.

Apesar das críticas, as pesquisas têm mostrado que a diferença de notas entre cotistas e não cotistas é pequena. Acompanhemos exemplo inquestionável à inclusão, demonstrando as médias obtidas pelos alunos cotistas e não cotistas no curso de Direito da USP (Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo). São resultados da primeira turma aprovada nos vestibulares com adoção de políticas de ação afirmativa, usando como critério cotas étnicas (2018-2022).

As médias de cada aluno são calculadas pela soma total das notas de cada um e dividido o resultado pelo número total de disciplinas cursadas. A direção comparou a média unificada dos alunos cotistas e dos não cotistas, somando-se as médias individuais de cada aluno e dividida pelo total da categoria. O resultado comparativo demonstra que a média geral dos não cotistas é poucos décimos superior à dos cotistas, menos de 0,3 de um total de 10 da nota (agradecimento à atual direção do professor doutor Celso Campilongo pelo acesso aos dados do curso de Direito da USP).

Políticas de ação afirmativa são várias providências governamentais enfrentando racismos, sexismos e homofobias que, historicamente, se estruturaram entre nós, comprometendo a cidadania. Para tanto, são imprescindíveis pesquisas, planejamento, o cumprimento do direito já posto e a nossa legislação inclusiva para dar suporte às políticas públicas necessárias.

(*) Eunice Aparecida de Jesus Prudente é professora sênior no Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da USP..

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