Cotas nas universidades: educação que transforma histórias e melhora o País
Recentemente, a Lei 14.723/2023 foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Muitas discussões pertinentes ocorreram nos movimentos sociais e em diferentes segmentos da área da educação brasileira acerca das mudanças que irão, certamente, aprimorar os mecanismos de acesso e permanência às pessoas negras (pretas e pardas), indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência, seguindo como norte a distribuição das vagas com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) às universidades do nosso país.
Dentre as mudanças também aprovadas está a inclusão de cotas para a pós-graduação e prevê prioridade para recebimento de assistência estudantil para estudantes cotistas. Dados do último Censo de 2022 do IBGE apontam que 56% da população brasileira é negra (pardos = 45,3% e pretos = 10,6%), e esta é a mesma comunidade para o IBGE com maior porcentagem de pessoas em extrema pobreza, baixa renda e baixo acesso à educação.
O projeto apesar de aprovado contou com votos contrários de alguns senadores. Mas por que existem pessoas que querem acabar com a lei de cotas? Mesmo sabendo, desde quando nasceram, que o Brasil sempre foi um país desigual e racista, muitas pessoas que são contra a lei de cotas alegam que estas causam mais desigualdade e que não resolvem o “problema” dos negros. Já enfatizamos que é um discurso errôneo!
De acordo com dados do anuário estatístico de 2022 da Universidade de São Paulo (USP), 5.151 é o número total do quadro de docentes ativos, e no que tange à autodeclaração de raça/cor, 4.699 (91,23%) se autodeclaram brancos(as), 192 (3,73%) amarelos(as), 93 (1,80%) pardos(as), 28 (0,54%) pretos(as), 2 (0,04%) indígenas e 137 (2,66%) não informaram. Para a pós-graduação, são 37.238 discentes matriculados(as), dos quais 13.960 (37,49%) se autodeclaram brancos(as), 611 (1,64%) amarelos(as), 2.592 (6,96%) pardos(as), 936 pretos(as) (2,51%), 78 (0,21%) indígenas e 19.061 (51,19%) não informaram.
Já entre os(as) pós-doutorandos(as), com 4.021 matriculados(as), 1.148 (28,55%) se autodeclaram brancos(as), 51 (1,27%) amarelos(as), 124 (3,08%) pardos(as), 31 pretos(as) (0,77%), 3 indígenas (0,07%) e 2.664 (66,26%) não informaram. Se bem observarmos, os números de pessoas pretas e pardas ainda são bem menos presentes em todas as categorias da comunidade científica da USP, evidenciando mais uma vez que precisamos avançar para incluir a presença desses grupos historicamente não presentes nos espaços acadêmicos e precisa ser multiplicada, e as cotas continuarão fazendo parte deste processo.
Reiteramos que as cotas para ingresso no ensino superior vêm abrindo portas para pessoas negras e vão continuar abrindo! Hoje negros e negras das regiões brasileiras menos acessíveis, comparadas às regiões economicamente mais potentes do País, estão modificando a cor da maior universidade da América Latina nos cursos de graduação e em muitas outras universidades públicas do nosso país, e com a reformulação da lei de cotas, seremos mais negros, indígenas, quilombolas, pessoas com deficiências nos programas de pós-graduação, pós-doutorados e ocupando cargos de docentes no Brasil.
E acreditamos que seja por meio de ações afirmativas para acesso à pós-graduação, como proposto pelo Grupo de Apoio às Ações Afirmativas da Pró-Reitoria de Pós-Graduação, os editais para pós-docs negras e negros da Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação, ou seja, por meio de concursos para docentes que possam, de fato, entender a importância de um corpo docente plural e que contribua com as transversalidades e interseccionalidades da nossa sociedade e academia.
Em mais de dez anos de cotas para ingresso nas universidades, muitos negros de regiões consideradas com baixo índice de desenvolvimento humano puderam acessar espaços, lugares e ocupar cargos que os seus pais e ou familiares não puderam. Por isso nós acreditamos e podemos falar que criar oportunidades é a porta para transformar a vida de milhares de mulheres e homens (cis, trans e travestis) negros(as), indígenas e quilombolas do nosso país. E uma frase que não poderá sair das nossas mentes, são os jovens de hoje que vão mudar nosso país no futuro, e será um sonho poder chegar ao futuro e ver que em nosso país miscigenado não existe mais desigualdade!
Como mudar o País sem proporcionar acesso?
A educação transforma vidas e as cotas abrem portas, nós podemos provar isso!
(*) Paulo H. Evangelista é doutorando do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, e Merllin de Souza, doutoranda da Faculdade de Medicina da USP