Covid-19 e o mercado de consumo: a escolha é do consumidor
Ninguém subestima os números de pessoas internadas ou mortas pelo novo corona vírus ao redor do mundo. Ninguém duvida dos efeitos drásticos que ele pode causar no sistema de saúde brasileiro se as recomendações de quarentena não forem atendidas. Nenhuma propaganda que estimule a reabertura dos estabelecimentos comerciais vai diminuir o instinto natural de cada um de se proteger contra a contaminação, e de ficar em casa.
Ainda assim, a pandemia instalou vários conflitos. De um lado fornecedores precisam ter receitas para manter seus negócios. E de outro, consumidores não querem pagar por serviços que não estão sendo prestados e querem proteger suas economias pessoais.
Sem respostas fáceis
A verdade é que, diante desse dilema, não há respostas fáceis no Direito para o nível de calamidade pública criado pela pandemia do Covid-19. Os conflitos de interesses que surgem agora entre consumidores e fornecedores refletem um problema muito maior do que apenas uma divergência de interpretação da Lei. É um problema social e econômico de escala global, que impõe a proteção da saúde pública acima de qualquer outro interesse.
A pandemia impactou as relações de consumo de uma maneira nunca imaginada pelos especialistas em mercado de consumo e em direitos do consumidor. O confinamento das pessoas em casa, e a suspensão de diversas atividades econômicas em escala global não encontra precedentes na história recente.
Oferta e demanda: desequilíbrio?
Em grande parte do mercado de produtos há mais oferta do que demanda e para muitos só restam as vendas à distância, num mercado que agora se tornou altamente competitivo. Em meio a este cenário, pessoas solidarizadas com microempreendedores e pequenos empresários circulam mensagens com contatos daqueles que estão vendendo à domicílio.
Sobre o mercado de prestação de serviços recaem uma grande quantidade de dúvidas de consumidores: “Devo continuar pagando a mensalidade da escola particular? A academia de ginástica e o curso de idiomas podem continuar cobrando pelo serviço? Posso cancelar a viagem e ser restituído dos valores que paguei pelas passagens ou hospedagem? Devo aceitar apenas a proposta de adiamento da festa que contratei? ” A lista de perguntas não para de crescer.
Privilegiados
De certa forma, os fornecedores desses serviços são privilegiados no meio da crise. Foram contratados por um período e recebem pagamentos mensais. Ou então receberam adiantado por serviços que ainda não prestaram. Estes empresários podem, pelo menos, tentar convencer seus clientes a não cancelar os contratos ou a não pedir reembolso dos valores pagos.
Nesse contexto, as regras sobre casos fortuitos, força maior, e sobre revisão de contratos por fatos supervenientes não parecem ser suficientes. Numa situação como a atual, nenhum lado da relação de consumo quer assumir prejuízos pela paralisação dos serviços imposta por razões sanitárias.
De toda forma, só existem duas certezas. A primeira, é que ninguém deseja ser contaminado pelo vírus. E a segunda, é que ninguém está obrigado a pagar pelos serviços que não estão sendo fornecidos.
Imposição do poder público
É verdade que os fornecedores paralisaram suas atividades por uma imposição do poder público, em proteção da saúde coletiva. Não foi por vontade própria. Mesmo assim, nada pode impedir um consumidor de rescindir um contrato de prestação de serviços. Independente de pandemia, nenhum consumidor é obrigado a manter-se vinculado a qualquer contrato.
No caso de serviços como de ensino privado, de academias, cursos de idiomas, cerimoniais de festas, serviços de hospedagem, turismo ou transporte aéreo, a única discussão que resta é sobre a necessidade do consumidor ter ou não que pagar multa por rescisão contratual. E obviamente, não há qualquer sentido em um consumidor ser obrigado a pagar multa por desistir de serviço que não está sendo fornecido ou que não poderá ser mais prestado como o combinado. Este risco, continua sendo do fornecedor.
Questão de escolha
Por isso, as perguntas que estão sendo feitas não precisam ser respondidas à luz dos direitos ou deveres legais. É simplesmente uma questão de escolha dos consumidores. Se querem ou não ser solidários com as empresas e assim continuarem pagando por serviços que não serão mais fornecidos conforme contratado.
E essa escolha não deve ser vista como um ônus ou um peso de consciência dos consumidores. O desafio é do empreendedor de convencer seus “clientes” a continuarem mantendo pagamentos e mantendo o contrato. É a prova de fogo de quem investiu nos últimos anos para conquistar a lealdade dos seus consumidores, ou para modernizar seus serviços e fornecê-los de maneiras alternativas.
Cabe a cada fornecedor o esforço de manter a lealdade dos seus consumidores durante esse período terrível aos negócios. Cabe a cada consumidor decidir se esse esforço é ou não suficiente para manter o contrato em vigor. É provável que a solidariedade de cada consumidor seja proporcional ao esforço de cada fornecedor.
A boa notícia é que em momentos de grandes tragédias os brasileiros sempre se mostraram muito solidários.
(*) Igor Rodrigues Britto é diretor de Relações Institucionais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.