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Desafios e oportunidades na gestão de riscos de secas e de inundações

Eduardo Mario Mendiondo (*) | 21/08/2022 12:10

Um recente estudo publicado na revista Nature mostra os desafios para nossa sociedade sobre a gestão de riscos de secas e de inundações sem precedentes. O estudo é liderado pela dra. Heidi Kreibich, do GFZ/Potsdam, Alemanha, coautorado por pesquisadores de vários países e da Escola de Engenharia de São Carlos da USP (EESC/USP). Os coautores da EESC/USP participam dos Núcleos de Apoio à Pesquisa (NAPs) INCLINE e CEPED/USP, e participam da Subcomponente de Segurança Hídrica do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas Fase 2, INCTMC2-FAPESP coordenado pelo CEMADEN/MCTI, e se articulam junto a um laboratório-ateliê: o WADILab (Water-Adaptive Design & Innovation Lab), criado na EESC/USP em 2017 após experiência junto ao CEMADEN/MCTI.

Este artigo da Nature mostra, primeiro, que estudos comparativos e interdisciplinares reforçam a tese que a redução de risco de desastres passa pela integração de todas as dimensões de risco. Assim, o artigo aponta que a quantificação completa dos riscos, com múltiplas ameaças, dos níveis de exposição e dos graus de vulnerabilidade, apresenta interações peculiares e até paradoxos em diferentes partes do planeta. A solvência financeira de setores usuários, como hidrelétricas, companhias de saneamento, perímetros de irrigação, mineradoras, navegação etc., depende de como se gerenciam esses riscos a extremos hidrológicos. Isso passa por uma comunhão entre medidas estruturais e não estruturais, e por aceitar a gestão da oferta e a gestão da demanda de água. O que leva a uma “reflexão-ação-reflexão socio-hidrológica” promovida pela Década 2013-2012 Panta Rhei Everything Flows (Society & Hydrology Under Change) da International Association of Hydrological Sciences.

Exemplos recentes: o caso de São Paulo

Por exemplo, a construção de reservatórios para conter efeitos de secas é fundamental para segurança hídrica. Porém, seu sucesso está condicionado a ter campanhas de popularização da ciência e de incorporação de competências na educação (primária, média e superior) que incentivem o uso racional, o reaproveitamento e o reúso de água. Sem essa conscientização cultural e de melhores hábitos, a simples existência de mais reservatórios pode até induzir ao expressivo consumo de água. Assim, aumentariam os riscos de déficits hídricos futuros e trariam as chamadas “secas socio-hidrológicas”, criando um círculo vicioso, com a necessidade de mais reservatórios. Este enorme potencial de reúso de água foi mostrado em outro estudo recente para a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), liderado por Felipe A. A. de Souza, doutorando do PPG de Hidráulica e Saneamento da EESC/USP e coautor deste artigo da Nature. Estes cenários promissores justificam a necessidade da recente Cátedra Unesco da USP sobre Águas Urbanas: Qualidade, Gestão, Reaproveitamento e Reúso, sediada desde 2020 pela EESC/USP.

Segundo, também o artigo da Nature destaca a ciência cada vez mais interdisciplinar. Embora crescente, ela tem ainda muito a expandir. Felizmente, jovens pesquisadores estão abertos ao diálogo interdisciplinar e evitam a ciência isolada em “silos”. Paralelamente, os programas de pós-graduação (PPGs) e institutos de pesquisa e de ensino superior (IES) devem promover este movimento. Por exemplo, várias ciências podem ser integradas a abordar desastres que são eventos intrinsecamente multidisciplinares, como reforçado no artigo da Nature. Um exemplo dessa ação interdisciplinar é que eventos extremos como secas e inundações precisam fomentar instrumentos de transferência de riscos, como os seguros indexados sob mudanças climáticas. Os também coautores deste artigo, o dr. Guilherme S. Mohor, hoje pesquisador na Universidade de Potsdam, Alemanha, e o prof. dr. Diego Guzmán, docente da Pontifícia Universidad de Bucaramanga, Colômbia, ambos ex-alunos do PPG de Hidráulica e Saneamento da EESC/USP, mostram em outro artigo recente que essa “interdisciplinaridade-em-ação” via seguros para extremos é possível, viável e promove um diálogo mais inclusivo de governança e segurança hídrica para a RMSP.

Ciência aberta + nova regulação = oportunidades à vista

Este artigo da Nature, ao juntar dezenas de casos de todos os continentes, mostra tanto os casos de sucesso como os, digamos, “mal-aprendidos”. Dado que a transferência das experiências não é simples, a construção de um banco de dados, no formato showcase disponível no artigo, é uma iniciativa promissora. Esses bancos de dados promovem os princípios F.A.I.R. de ciência aberta e são de utilidade para outros grupos interdisciplinares no Brasil, dentro os quais destacam-se o Centro de Pesquisa em Engenharia sobre Inteligência Artificial (C4AI/FAPESP/IBM, coordenado pelo Inova/USP), o Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão de Matemática Aplicada para Indústria (CEPID-CeMEAI/FAPESP, coordenado pelo ICMC/USP), e o Consórcio de Gestão de Riscos de Desastres e de Resiliência Social (MADIS/Belmont Forum/FAPESP, coordenado pela FSP/USP, antes denominado Observatório da Teoria da Mudança para Resiliência aos Desastres, TOCO_DR).

Finalmente, o artigo da Nature traz uma reflexão maior sobre a valoração de temática e de parcerias futuras. “Embora seja desafiadora, a gestão de riscos no Brasil está cheia de oportunidades”, complementa o prof. Eduardo Mario Mendiondo, docente do Departamento de Hidráulica e Saneamento da EESC/USP, mentor do WADILab e coautor do artigo da Nature. Sendo Mendiondo pesquisador principal do INCTMC2 e dos NAPs INCLINE e CEPED, ele indica novas sinergias junto ao C4AI, ao CeMEAI e ao MADIS. “Temos um novo Marco de Saneamento (Lei Federal 14.026/2020), uma nova Lei de Pagamento por Serviços Ambientais (Lei Federal 14.119/2021) e um Plano Nacional de Segurança Hídrica que projeta R$ 110 bilhões até 2035. Portanto, há espaços para vários grupos participarem nas metas de universalização do saneamento e da segurança hídrica. Isso representa uma forte motivação às jovens gerações buscarem, através da ciência interdisciplinar, as novas oportunidades no Brasil, um mercado de trabalho continental e com opções para empregos na área de sustentabilidade ambiental, capital natural e sociedade.”]

(*) Eduardo Mario Mendiondo, professor da Escola de Engenharia de São Carlos da USP.

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