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Determinismo & livre-arbítrio

Enrique R. Argañaraz (*) | 20/06/2022 09:00

Na ciência, a ideia do determinismo teve sua origem com a física newtoniana com seus três postulados: da inércia, da dinâmica e de ação e reação. A partir desses princípios surgiu a ideia de que, conhecendo o estado inicial de um objeto, seria possível prever o seu movimento. Segundo essa ideia, o ser humano estaria submetido ao determinismo, axioma subjacente à teoria Darwiniana, que postula que nossas ações estariam determinadas por nossos genes.

Entretanto, nos anos 60, o matemático e meteorologista Edward Lorenz, ao tentar prever fenômenos meteorológicos, percebeu que a não inclusão de casas decimais nos dados a serem analisados computacionalmente mudava completamente os resultados, e, por outro lado, não permitia previsões além de quinze dias. Estes estudos deram origem ao que hoje se conhece como “teoria do caos”, segundo a qual uma pequena alteração na condição inicial pode levar a um resultado completamente diferente. Ou seja, as previsões de Lorenz mostraram claramente que mesmo dentro do determinismo existiria uma imprevisibilidade, o que explicaria que o fato de encontrarmos uma conexão lógica na ocorrência de um determinado evento não implica a possibilidade de sua previsão, mesmo conhecendo todas as condições iniciais.

No início do século XX, um outro problema da física, a natureza da luz, trouxe essa questão à tona. Newton sustentava que a natureza da luz era corpuscular, enquanto o físico Huyghens dizia que era ondulatória. Este dilema foi dirimido por Einstein ao explicar o efeito fotoelétrico, postulando que a luz seria tanto uma onda como uma partícula. Posteriormente, o físico Louis de Broglie estendeu o conceito onda-partícula para toda matéria. Por outro lado, o fenômeno onda-partícula, evidenciado pelo experimento da “dupla fenda” introduziu um outro dado na dicotomia determinismo & livre-arbítrio: o da incerteza, por não ser possível estabelecer a trajetória do elétron antes deste impressionar o anteparo.

Certamente as “peculiaridades” da mecânica quântica incomodaram vários cientistas, inclusive Albert Einstein, que ridicularizou o princípio da não localidade chamando-o de “ação fantasmagórica a distância”, afirmando que a teoria da mecânica quântica deveria estar incompleta, levando-o a expressar a famosa frase “Deus não joga dados” a qual originou a resposta, menos conhecida, de Niels Bohr, o pai da mecânica quântica: “… pare de dizer a Deus o que deve fazer!”. A disputa entre Einstein e Bohr chegou ao fim pela confirmação experimental baseada no teorema de Bell, que expôs dramaticamente a incerteza e não localidade da mecânica quântica.

Por outro lado, Sabine Hossenfelder, em seu artigo Rethinking Superdeterminism, publicado na revista Frontiers Fisics, 2020, sugere que o superdeterminismo eliminaria a aparente aleatoriedade da mecânica quântica, “.... a razão pela qual não podemos prever o resultado de uma medição quântica é por estarmos perdendo informações...”, ou seja, segundo Hossenfelder existiriam variáveis “ocultas”. Sendo assim, o superdeterminismo sugerido por físicos de renome como Einstein, Bell, Hooft, entre outros, surge como uma necessidade de “encaixar” a mecânica quântica na visão determinística de mundo.

Outros físicos, como George Ellis, sustentam uma “causação ascendente”, pela qual processos físicos poderiam levar a fenômenos “emergentes”, como os desejos e intenções humanas. Este axioma, sustentado pela visão científica atual, se baseia na ideia de que a natureza estaria constituída apenas por “blocos básicos” de matéria-energia, onde cada bloco possuiria um pouco de consciência como propriedade fundamental ou, alternativamente, após atingir um agrupamento com determinado número de blocos, estes se tornariam “conscientes”.

Um claro exemplo dessa visão é a ideia de que a consciência é um epifenômeno da atividade cerebral. Entretanto, se assumimos esse axioma como verdadeiro, deveríamos também admitir que quaisquer outras entidades material/biológicas que constituem o mundo e o universo, seja um grão de areia, uma pedra, ou qualquer órgão ou molécula biológica, estariam dotadas de consciência, já que são formadas pelos mesmos blocos de matéria que o cérebro, por exemplo.

Dentro desse contexto, uma nova “visão ontológica não dualista” da realidade surge como uma nova abordagem para esclarecer o dilema do determinismo versus livre-arbítrio. De acordo com essa visão metafísica, toda a matéria-energia surgiria de um “bloco indivisível de consciência”. Esta nova visão propõe a existência de um princípio independente de qualquer entidade material, irredutível, indivisível, autoconsciente e subjacente a toda existência, desde as escalas atômicas, moleculares, até as maiores e mais complexas.

Este princípio fundamental a toda a existência, até hoje considerado por apenas uma pequena parcela da comunidade científica, como os que sustentam a teoria do “design inteligente” não seria exclusivo de nenhuma estrutura em particular, e sim inerente a toda a natureza e responsável pelo surgimento e perfeita organização dos mais diversos organismos e estruturas, assim como pelos fenômenos que compõem o universo visível. Assim, essa visão não dualista da realidade explicaria, entre outros paradoxos, o problema da medição por um observador, na mecânica quântica, assim como o surgimento de uma “determinada realidade” para vários observadores, por meio do colapso da função de onda por uma única consciência autoconsciente fora do espaço-tempo, o que se conhece como “causação descendente”.

A existência de uma única consciência, em contraposição à existência de diversos observadores conscientes, aparentemente “reais”, vem a corrigir o que poderíamos chamar de “mal-entendido da consciência”.

Dessa forma, essa visão ontológica não dualista da realidade tira do universo, e de quaisquer objetos ou fenômenos nele contidos, uma causalidade ou existência intrínseca, independente, fora desse princípio autoconsciente. Essa nova visão metafísica muda o atual paradigma da existência de uma realidade material para o de uma realidade baseada na primazia da consciência.

Mas, por que o debate sobre determinismo e livre-arbítrio é importante? Porque o entendimento desta questão está intimamente relacionado à compreensão da realidade subjacente a toda a existência, e consequentemente a verdadeira natureza do ser humano.

“O mundo que percebemos é feito de consciência; o que chamamos de matéria é apenas consciência" - Nisargadatta Maharaj.

(*) Enrique Roberto Argañaraz é professor do Departamento de Farmácia da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília. Doutor pela UnB em Imunologia e Genética Aplicadas.

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