Dia do Trabalhador: história e reflexão
Castigo divino?
A opressão do mais forte sobre o mais fraco existe desde o princípio dos tempos. O trabalhador, desde o início, era considerado um ser inferior, cuja função era servir aos poderosos e sua remuneração era aviltada. Era tratado como servil, inferior, quando não como escravo. Mas aos poucos, lentamente, isso começou a mudar.
Mesmo na Grécia, berço de ouro da humanidade, Aristóteles colocava o trabalho em oposição à liberdade, e Homero via na ociosidade da antiga nobreza grega um objetivo desejável. O trabalho manual era algo penoso e vil, que devia ser executado por mulheres, servos e escravos.
Passando pela tradição judaica, até épocas históricas mais recentes, como o período feudal, em que a Igreja considerava o trabalho como resultado do pecado original, e por meio do qual Adão foi destinado a ganhar o pão de cada dia com o suor do seu rosto, o trabalho braçal sempre foi visto como um castigo, ou uma tortura, conforme o próprio significado da palavra latina que lhe dá origem (“tripallium” – instrumento de tortura).
Caminho para a salvação?
Até a Idade Média, o trabalho tinha má reputação. Mas Martinho Lutero, em sua ética protestante, inverteu essa premissa e o elevou a um novo patamar, como um dever divino. No século xvi, Lutero declarou a ociosidade como um pecado. “O homem nasce para trabalhar”, escreveu. Para ele, além de um serviço divino, o trabalho é também uma vocação. No puritanismo anglo-americano, ele é visto como uma oportunidade concedida por Deus. Isso, entre outras coisas, contribuiu historicamente para acelerar o desenvolvimento do capitalismo. A ética protestante repousa na sua ética.
A reforma protestante desenvolveu uma análise que alteraria o pensamento cristão a seu respeito, contrariando a visão do catolicismo, que mais tarde adotou uma posição parecida. Nessa nova visão, o trabalho aparece como o fundamento de toda a vida, constituindo uma virtude e um dos caminhos para a salvação. A profissão de cada fiel passa a ser vista como vocação, e a preguiça, em oposição, é considerada perniciosa e má. O que, em termos, se contrapõe à ordem natural do mundo.
O sociólogo e economista alemão Max Webber, considerado um dos pais da sociologia moderna e grande estudioso dos fundamentos do capitalismo, ao se debruçar sobre a relação entre a ética protestante e o espírito do capitalismo, procurou demonstrar em profundidade essa mudança de atitude em relação ao trabalho.
Na doutrina protestante, passou a ser encarado como uma virtude, e, ao trabalhar arduamente, pode-se chegar ao êxito na vida material, uma expressão da bênção divina sobre os homens. Mas, a riqueza depositada nas mãos de alguns (poucos) homens não deve ser utilizada para ostentação ou mesmo para os gastos sem necessidade. O cristão protestante deve levar uma vida sóbria e modesta, e tudo o que conseguir poupar deve ser reinvestido, gerando mais oportunidade para outros trabalharem.
Linha de montagem
A concepção puritana e protestante em relação ao trabalho vai servir muito bem à burguesia comercial e depois à elite industrial, que precisava de homens dedicados, humildes e obedientes em relação às suas condições e aos baixos salários.
Na segunda metade do século xviii, teve início a Revolução Industrial na Europa. Um movimento lento e irreversível, que logo ganharia impulso mundial. Conforme a população crescia, diminuía a abundância de áreas cultiváveis. As pessoas migraram para as cidades em busca de sustento em fábricas rudimentares e fundições arcaicas. Em 1850, muitos ingleses cumpriam 14 horas por dia, seis dias por semana. Os salários mal davam para o trabalhador sobreviver e manter sua família. Inovações como a máquina a vapor e o tear mecânico multiplicaram a produção, que passou a ganhar escala. Os grandes galpões com torres exalando fumaça logo se tornariam o símbolo desse novo modo de produção. A linha de montagem seria o passo seguinte.
Luta por direitos
Com o advento das fábricas, surge uma nova classe: o proletariado. Para o filósofo e economista alemão Karl Marx, que cunhou esse termo, o trabalho é a essência do homem. As bases do marxismo se tornariam a semente para a conquista dos direitos trabalhistas, alcançados a duras penas ao longo do século xx.
Apesar de tudo isso, a classe operária só conseguiu sua emancipação com muita luta e sacrifício, inclusive de vidas, a exemplo do que aconteceu no dia 1º de maio de 1886. Nesse dia, milhares de pessoas foram às ruas em Chicago para protestar contra as condições desumanas a que eram submetidas e exigir a redução da jornada de 13 para 8 horas diárias. A repressão ao movimento foi dura, com prisões, muitos feridos e até mesmo trabalhadores mortos nos confrontos com a polícia.
Em memória aos mártires de Chicago e por tudo o que esse dia significou na luta dos trabalhadores pelos seus direitos, servindo de exemplo para o mundo todo, o dia 1º de Maio foi instituído como o Dia Mundial do Trabalhador.
No Brasil, o feriado começou pela influência de imigrantes europeus, que a partir de 1917 resolveram fazer greve para reivindicar seus direitos. Em 1924, o presidente Artur Bernardes decretou essa data como feriado nacional.
Além de ser um dia de descanso, o 1º de Maio é uma data com diversas ações voltadas para os trabalhadores. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi anunciada no dia 1º de maio de 1943, pelo presidente Getúlio Vargas. Por muito tempo, o reajuste anual do salário mínimo também acontecia no Dia do Trabalhador.
A lei do trabalho é a que rege todo o processo organizacional. Todos devemos trabalhar sempre. Ele dignifica o homem, como bem conceituou Lutero. É por seu intermédio que o homem desenvolve sua inteligência e criatividade, contribuindo para a evolução da humanidade.
Não há descanso. A ilusão de que haverá um momento em que ficaremos no eterno “laissez-faire” é falsa, o “dolce far niente” também.
As leis universais são os pilares da criação e regulam os movimentos e atividades tanto da vida humana quanto de todo o cosmos. Elas indicam o caminho a seguir, para o nosso aperfeiçoamento e evolução. Cumprem essa finalidade porque nelas está plasmada a vontade do Criador, que estabelece a evolução integral e permanente do homem. Para que possamos alcançar a evolução é imprescindível termos consciência dessas leis.
Neste momento em que se comemora o Dia do Trabalhador é preciso, além de reconhecer o valor social do trabalho, transmitir ao trabalhador uma visão espiritual, para que ele entenda que está inserido num plano maior, a dimensão da eternidade, sem a qual vai continuar de cabeça baixa, considerando-se explorado. Adquirindo uma visão superior a respeito de si mesmo, o trabalhador se valorizará como participante efetivo da evolução da humanidade e defenderá com consciência sua colaboração no concerto geral das coisas.
(*) Heitor Rodrigues Freire é t itular da cadeira nº 37 do Instituto Histórico e Geográfico- MS – Patrono HARRY AMORIM COSTA.