Docência durante a pandemia: tempos estranhos e/ou momentos de descobertas?
No dia 12 de novembro de 2020, a Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP realizou seu 32º webinar denominado Docência durante a pandemia: tempos estranhos e/ou momentos de descobertas?. Em formato de “roda de conversa”, os presidentes das quatro comissões estatutárias da FSP, coordenadores e vice-coordenadores dos cursos de graduação e estudantes de graduação trouxeram depoimentos sobre suas experiências de ensino-aprendizagem durante a pandemia. Estes depoimentos foram enriquecidos por outros dois colegas convidados para problematizar o tema da “presença”. A partir do conteúdo do vídeo do 32º webinar, os “estranhamentos”, os “desafios” e as “oportunidades” que emergiram para o ensino-aprendizagem na pandemia, conforme as experiências vivenciadas pelos participantes deste webinar, foram sumarizados e são apresentados neste artigo-síntese.
Desconforto com a tecnologia e seus imperativos: o risco da predominância da técnica sobre o humano - Há uma fadiga da tecnologia durante a pandemia: “O desafio, o que é estranho, por enquanto é aprender como se construir melhor interação social e nos sentirmos mais confortáveis com essa copresença mediada por tecnologia”.
Há sequestro dos nossos desejos: “Há autores que falam que nós não estamos mais no cyber-espaço, nós estamos já numa infosfera, fazendo um paralelo com a biosfera. A infosfera nos tirou o conceito dicotômico de online e offline, na verdade nós estamos o tempo todo como onlife – mesmo que eu não queira, eu estou deixando rastros digitais, estou sendo rastreado o tempo todo”.
Abrir ou não abrir a câmera… Tem sido recorrente a queixa de docentes de que os estudantes não abrem suas câmeras:
Corpos e rostos antes comunicavam se estavam aprendendo. No ensino remoto [os estudantes] são ‘bolinhas’ com letras ou foto e isso gera dificuldade em medir o quanto os alunos aprendem e participam do curso”.
As bolinhas incomodam, é a falta de conexão, é a falta do encontro…”
Houve inclusive campanhas de docentes circulando pelas redes, com “meme” e tudo.
Os estudantes argumentam que a câmera “consome mais internet” e que, também, preferem manter a privacidade de seus ambientes: “São muitas coisas acontecendo durante a aula (rotinas da casa, cansaço, trabalho) que forçam uma dinâmica diferente”.
Uma docente sintetiza o dilema da câmara dizendo: “Me senti muito próxima dos alunos no início do processo, mas sinto falta da troca do afeto, dos momentos informais de aprendizado que o ensino presencial proporciona”.
Mas o virtual ou remoto não está, decerto, isento de emoções, e não há dúvida de que agrega ao presencial novas possibilidades de interatividade significativa. Uma professora: “Eu comecei a ler um texto em uma aula remota síncrona e me emocionei. Não consegui continuar a leitura. Então, uma aluna se prontificou a continuar a leitura. Mesmo sendo uma ‘bolinha’ ali na tela”. A expectativa gerada por “bolinhas” na tela é de que não há conexão plena. O episódio revela o oposto: houve conexão significativa e participação relevante da estudante na atividade.
Em busca da ampliação dessas possibilidades, professores têm manifestado o interesse de continuar aprimorando o emprego de métodos e técnicas que advirão com o desenvolvimento de novas estratégias pedagógicas estimuladas pelo que se vem denominando de “ensino híbrido” ou “modelo misto”.
Maior “presença” no ensino remoto, desde que desigualdades sejam enfrentadas - Os participantes constataram que o ensino remoto ou virtual contribuiu para diminuir as faltas e a desocultar desigualdades de acesso à internet, o que desencadeou uma resposta institucional de apoio ao discente como, por exemplo, a distribuição de chips aos que deles necessitavam. Mas isso demandou “sensibilidade, solidariedade e invenção para perceber vulnerabilidades que poderiam excluir as pessoas” e, portanto, aprofundar desigualdades.
Houve consenso quanto à preferência por aulas assíncronas, uma vez que facilitam a organização da rotina segundo possibilidades individuais e permitem fazer uso racional do tempo de internet disponível para cada um. O Moodle possibilitou adoção de opções pedagógicas (como a “sala de aula invertida”) que permitem que o material didático fique disponível permanentemente para o estudante.
Vamos nos acostumando… e ampliando possibilidades - Há relatos de que a experiência “ficou melhor” no segundo semestre e que “poupar transporte público e locomoção era uma boa”, pois os estudantes perceberam a possibilidade de conseguir cursar mais disciplinas por causa do encurtamento das distâncias e do tempo despendido com deslocamentos numa grande cidade como São Paulo.
As relações com as ferramentas digitais foram ficando mais amistosas:
Estamos tendo oportunidade de utilizar outras ferramentas para o desenvolvimento e/ou apresentação de trabalhos” (uso de podcast, por exemplo).
O uso de AVA possibilitou aumento de matrículas em cursos e disciplinas da FSP, por estudantes de outros campi, Estados e até de outros países:
É uma oportunidade que a gente não pode perder. A gente teve disciplinas oferecidas com docentes que estavam fora, então isso nos leva a pensar. Não dá para perder essa oportunidade de ter convidados, de qualquer parte do mundo, para participarem das nossas disciplinas”.
Desafios na avaliação dos estudantes - Os estudantes aprendem mais ou menos no ensino remoto ou virtual?
Esta pergunta atravessou o nosso webinar e trouxe comentários que anunciam possibilidades avaliativas e “food for thought”:
O ambiente virtual de aprendizado favorece a ampliação de modos avaliativos dos estudantes”.
O aprendizado não é só o formal, o aprendizado acaba acontecendo no bate-papo, na troca de experiências e, pensando na pós-graduação, é a troca de experiências para suas pesquisas ou comentários e dificuldades”.
Houve consenso, porém, de que a temática da avaliação do processo ensino-aprendizagem é das mais complexas e que segue demandando muita pactuação entre docentes e discentes, além de bastante engenhosidade para delinear dispositivos avaliativos adequados, seja presencialmente, seja para atividades virtuais.
O que ficou do webinar - Uma frase sintetiza a percepção dos docentes e estudantes que participaram do webinar: “Tempos estranhos, mas há oportunidades no horizonte”.
Muito por conversar e planejar, e a questão da presença ou da falta da presença física, “olhos nos olhos”, foi algo que muito nos mobilizou.
Nos ocupamos deste debate em outro artigo a ser publicado no Jornal da USP.
(*) Marco Akerman é presidente da Comissão de Extensão da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, e outros autores*