É a Segurança Pública, Estúpido!
A famosa frase “É a Economia, Estúpido!”, cunhada por James Carville, assessor de Bill Clinton durante a campanha presidencial de 1992, tornou-se um mantra político que sintetizava a ideia de que a economia era o principal fator que influenciava as decisões eleitorais nos Estados Unidos.
No contexto americano, onde a estabilidade econômica e o crescimento são pilares centrais da sociedade, essa afirmação fazia sentido. No entanto, ao transpor essa lógica para o Brasil, é necessário considerar as profundas diferenças socioeconômicas, culturais e históricas que moldam a realidade brasileira. Aqui, a máxima poderia ser adaptada para: “É a Segurança Pública, Estúpido!”.
Historicamente, o Brasil se habituou a lidar com instabilidades econômicas. Somos um país de contrastes. Uma nação criativa, vibrante e resiliente, que aprendeu a conviver com adversidades históricas, como a inflação descontrolada, a desigualdade social e um sistema tributário complexo. Nossa sociedade, em sua ampla maioria, é composta por indivíduos honestos, trabalhadores e criativos.
Apesar desses desafios, o brasileiro desenvolveu uma capacidade única de se adaptar e seguir em frente, como bem expressam os versos de Tom Jobim: “A gente vai levando...”; e Zeca Pagodinho: “Deixa a vida me levar...”. No entanto, há uma questão que transcende a economia e toca diretamente a vida de todos: a violência e a falta de segurança pública. Não é a economia que tira nosso sono. O medo de sair de casa, de ser assaltado ou morto, sim.
Enquanto nos Estados Unidos a economia pode ser o principal termômetro eleitoral, no Brasil, a segurança pública é uma das maiores angústias da população. O medo de ser assaltado, sequestrado ou até mesmo morto por uma bala perdida é uma realidade cotidiana para milhões de brasileiros.
A violência não apenas ceifa vidas, mas também mina a confiança nas instituições, destrói a sensação de liberdade e impede o pleno desenvolvimento social e econômico. A segurança pública, portanto, não é apenas uma questão de política criminal, mas um problema que afeta a dignidade humana e a capacidade de sonhar com um futuro melhor.
A violência, a impunidade e a insegurança generalizada são as verdadeiras chagas sociais brasileiras. Latrocínios, assaltos violentos e fraudes constantes destroem a confiança do cidadão. O sentimento de abandono pela autoridade pública gera revolta e frustração, criando uma falsa impressão de que vivemos em um país dominado por criminosos.
Isso não é verdade! O Brasil é um país de pessoas de bem, que estão acuadas pela ineficiência do Estado em garantir o direito fundamental à Segurança.
Mas o que fazer? O primeiro passo é que as elites políticas saiam de suas bolhas e entendam as reais necessidades da população. O debate sobre segurança pública é muitas vezes polarizado entre duas posições extremas: uma que defende a repressão violenta, resumida na máxima "bandido bom é bandido morto", e outra que vê todo criminoso como uma vítima social. Ambas são posturas equivocadas. O combate ao crime precisa ser efetivo, mas também humano e racional.
As raízes desse problema são complexas, entretanto. Por um lado, há décadas de descaso por parte das elites políticas, que priorizaram interesses particulares em detrimento do bem comum. Por outro, há uma cultura de impunidade e um sistema carcerário que, longe de recuperar, fortalece o crime organizado.
As prisões brasileiras, superlotadas e desumanizadas, são verdadeiros campos de treinamento para o crime, onde a sobrevivência depende da submissão a facções criminosas. Essa realidade perversa alimenta um ciclo vicioso de violência que parece não ter fim.
A solução passa pelo fortalecimento das políticas de segurança, respeitando os Direitos Humanos, mas garantindo que o crime não compense. Isso significa investir em polícias bem treinadas, mais bem equipadas e mais bem remuneradas, para que possam agir com inteligência e eficácia. Significa reformar o sistema carcerário, que hoje mais fortalece o crime do que o combate. Nas prisões brasileiras, a escolha é entre aderir ao crime organizado ou ser exterminado.
O poder federal deve atuar no fortalecimento das polícias, no controle das fronteiras e na criação de um marco legal que garanta a dignidade dos presos sem abrir mão da eficácia no combate ao crime. Os estados, responsáveis diretos pela segurança pública, precisam investir em inteligência, modernização das polícias e reforma do sistema carcerário. Já os municípios podem contribuir com a zeladoria urbana, a iluminação pública e o fortalecimento das guardas municipais.
No entanto, a responsabilidade não é apenas do Estado. A sociedade civil também tem um papel crucial a desempenhar. Isso inclui votar de forma consciente, exigir transparência e responsabilidade dos governantes, apoiar boas práticas de segurança, participar de iniciativas comunitárias, e, acima de tudo, cultivar valores como honestidade, respeito às leis e solidariedade.
A luta por uma sociedade mais segura é uma tarefa coletiva, que exige união e compromisso de todos. É sempre bom lembrar que o combate à criminalidade não se faz apenas com polícia e prisão, mas também com educação, oportunidades econômicas e fortalecimento da cidadania.
Diante desse cenário, é ingênuo acreditar que a economia seja o principal fator a ser considerado nas eleições. Claro, a estabilidade econômica é importante, mas de que adianta ter emprego e renda se não se pode caminhar nas ruas sem medo? De que vale o crescimento do PIB se as famílias vivem reféns da violência? A segurança pública é, portanto, a base sobre a qual todas as outras políticas devem se sustentar. Sem ela, não há desenvolvimento social, não há justiça, não há paz.
Portanto, é a Segurança Pública, Estúpido! É ela que define o nosso presente e moldará o nosso futuro. É ela que determinará se seremos capazes de construir uma nação onde a vida, a liberdade e a dignidade sejam valores sagrados. E é ela que agora, mais do que qualquer outro fator, deve guiar as nossas escolhas e ações, tanto como cidadãos quanto como sociedade.
O Brasil já superou inúmeros desafios ao longo de sua história. A redemocratização, o controle da inflação e a inclusão social são exemplos de conquistas que pareciam impossíveis, mas que foram alcançadas graças à determinação do povo brasileiro. Agora, é hora de enfrentar mais um gigante: a violência. E, como sempre, só conseguiremos vencer esse desafio se estivermos unidos.
Todos juntos.
(*) André Naves é defensor público federal formado em Direito pela USP, especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social; mestre em Economia Política pela PUC/SP. Cientista político pela Hillsdale College e doutor em Economia pela Princeton University. Comendador cultural, escritor e professor (Instagram: @andrenaves.def).
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