É urgente tratar a desinformação
Tão urgente quanto tratar os doentes e prevenir novos casos da Covid-19 no país é identificar e cuidar dos desinformados, especialmente num momento em que alguns governos, como o do Distrito Federal, planejam retomar a atividade econômica urbana.
Uma minoria pouco ou mal informada pode arruinar os benefícios coletivos da adesão precisa e correta da maioria da população. Segundo dois estudos de comunicação em tempos de pandemia, desigualdades informacionais tornam mais difícil o desafio de autoridades sanitárias e governos.
Em What have we learned about communication inequalities during the H1N1 pandemic: a systematic review of the literature, Lin, Savoia, Agboola e Viswanath concluem que o desenvolvimento de campanhas de comunicação contra pandemias não deve se ocupar apenas de difundir recomendações à população, mas também de reduzir desigualdades informacionais durante a fase emergencial.
Isso pode implicar, por exemplo, no desenho de ações específicas para grupos com menos informação sobre o vírus, conforme sugere o texto publicado em 2014 no periódico BMC Public Health.
Outros autores que concordam com a relevância dessa iniciativa são Vaughan e Tinker. A pesquisa de ambos, publicada em 2009 no American Journal of Public Health, mostra que o êxito de campanhas contra pandemias depende das características de cada segmento populacional, especialmente dos mais vulneráveis.
Por isso, dizem os autores no texto Effective health risk communication about pandemic influenza for vulnerable populations, devem ser implementadas ações para que alguns grupos não transformem ruídos ou lapsos de informação em um risco para a proteção de toda a sociedade.
Dados recentes publicados pelo Correio Braziliense mostram que, em Brasília, a população se considera bem informada sobre a doença. Segundo pesquisa de março do Instituto Exata de Opinião Pública (Exata OP), nada menos que 85 % dos 1.102 entrevistados declararam estar bem informados sobre a pandemia.
Entretanto, os estudos mencionados acima chamam a atenção para o potencial do comportamento descuidado ou desavisado dos demais 15 %, que disseram ter tido alguma, pouca ou nenhuma informação sobre a doença, os cuidados necessários para evitá-la e os primeiros sinais para detectá-la.
Infelizmente, a pandemia da Covid-19 atingiu o Brasil sem que o país houvesse claramente estabelecido protocolos de atuação e coordenação, não só de posições dos governantes e ações sanitárias, mas também de comunicação pública. A divergência entre autoridades políticas nos diferentes níveis de governo e suas respectivas estratégias e ações de comunicação é um claro exemplo desse desacerto.
Além disso, a desinformação politicamente motivada promovida por alguns grupos tende a prejudicar muito os esforços por proteger setores da sociedade que poderiam manter uma atitude mais cooperativa se estivessem mais bem informados. É difícil enfrentar campanhas desinformacionais orientadas por objetivos políticos com iniciativas de comunicação pública. Até porque a separação entre ações de Estado e de governo inexiste nessa área.
O que parece mais viável neste momento é incentivar os governos responsáveis a se ocuparem de pessoas que poderiam cooperar nos esforços contra a pandemia, mas que não o fazem por assimetrias informacionais produzidas por outras desigualdades, como a econômica, a educacional ou a regional. Em outras palavras, porque são pobres, não puderem ir à escola ou vivem em locais onde os veículos de comunicação quase não chegam.
A experiência brasileira tem sido, até aqui, muito diferente da observada em países como a Coreia do Sul, em que parece ter havido não apenas um consenso sobre as ações sanitárias a serem tomadas, mas também quanto ao conteúdo e ao tom da comunicação pública, logrando redução significativa na letalidade do vírus.
Por sorte, até aqui o país não observou o crescimento exponencial de casos como nos Estados Unidos (que já contou mais de 49 mil mortos), na Itália (com mais de 25 mil mortos) ou na Espanha (cujos óbitos passam dos 22 mil), mas não está livre de enfrentar problema semelhante.
Se não há mais tempo para planejamentos prospectivos, ainda pode-se implementar medidas preventivas contra novos casos e surtos. Entre as várias ações necessárias e urgentes neste momento, no DF e no país, está um diagnóstico claro e preciso da existência de segmentos populacionais menos informados que constituem não apenas um risco para si mesmos diante da pandemia, mas para toda a sociedade. O enfrentamento sanitário da pandemia da Covid-19 é, também, um enorme desafio de comunicação pública.
(*) Wladimir Ganzelevitch Gramacho é mestre e doutor em Ciência Política, coordenador do Centro de Pesquisa em Comunicação Política e Saúde Pública (CPS), professor adjunto da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília e, atualmente, pesquisador visitante na Western University, no Canadá.