Entre sonhar e realizar, o futuro da habitação precisa de sintonia
O déficit habitacional existe por todo o mundo, inclusive nos países mais desenvolvidos. Fatores históricos, crescimento desordenado das cidades, mudanças comportamentais, conjuntura econômica e política contribuem para uma situação que conhecemos bem: há mais gente querendo morar do que habitação ao alcance dessas pessoas.
E a expressão “sonho da casa própria”, tão repetida, tem um sentido profundo que não pode se perder: “casa” é muito mais do que terreno e paredes; é apenas a dimensão mais palpável de algo maior – a ideia de lar. Um imóvel materializa esse sonho se realizando.
Eu acredito que os sonhos das pessoas devem sempre ser levados muito a sério, em especial esse. É por isso que o acesso à habitação é uma questão tão presente e tão importante.
Hoje, especialmente, vivemos um momento desafiador – preços subindo, aumento no custo para construir, condições econômicas da população menos favoráveis, o fosso social que se agrava. O impacto disso no mercado habitacional é decisivo e preocupante: o acesso à moradia fica mais difícil; entre sonhar e realizar, o caminho é mais longo.
Isso não é “exclusividade” brasileira, claro. Mas é interessante observar como em outros países se encontram soluções inteligentes para diminuir essa distância e superar os obstáculos – com frequência, tenho a oportunidade de estar em contato com projetos e programas habitacionais ao redor do mundo, e com práticas inspiradoras.
De políticas públicas a tecnologias e processos de produção inovadores, vejo iniciativas criativas, sustentáveis, disruptivas mesmo – como a aplicação de técnicas de construção rápida na Suécia, ou a estratégia de dispersão da habitação social na França, com os princípios de "densidade, diversidade e eficiência energética” regendo a construção nas novas zonas urbanizáveis das cidades.
Ainda que os exemplos bem-sucedidos aconteçam em outros contextos específicos, os aprendizados são muitos.
Sabemos que produtividade é um fator chave no custo das habitações acessíveis. Sabemos também que os mecanismos de acesso a essas habitações precisam estar conectados às reais condições e necessidades da população. Sabemos que a legislação relacionada com a construção dessas moradias precisa jogar a favor. Então, o que falta para fazer acontecer?
A reflexão é, de certa forma, urgente: entendo que o próximo grande problema social do mundo é a habitação – e no Brasil não será diferente.
Por aqui, além do momento especialmente desafiador, lidamos com diversas outras pedras no caminho do sonho à realização da conquista do lar. Em especial, com o que costumamos generalizar como “burocracia”: processos morosos, legislação desencontrada nas diversas esferas governamentais. Essa falta de padronização é um grande desafio adicional, e se intensifica quando se trata de moradia para população de baixa renda.
Da demora para a emissão de alvarás até os diferentes requisitos a serem cumpridos em cada localidade, é um contexto que em geral desfavorece a escalabilidade, a redução de custos, a oferta ampla e acessível e a agilidade. Tudo isso fragiliza a segurança de empreender e realizar no segmento da habitação.
Gosto de imaginar um quadro bem diferente desse, em que a palavra de ordem é sintonia, e gosto de imaginar o que é preciso para chegar lá. Sei que é uma visão ambiciosa, mas possível – e a chave para ela passa por um pacto social em torno da habitação, muito mais abrangente do que é hoje, que possa favorecer ao longo dos anos a conquista do lar pelos brasileiros. Afinal, o mercado não vai resolver sozinho, as leis não vão resolver sozinhas, as pessoas não vão resolver sozinhas.
Entendo que esse pacto social toma forma a partir de movimentos coordenados dos diversos agentes envolvidos – com pensamento sistêmico dos aspectos regulatórios; com maior nivelamento da legislação nos níveis federal, estadual e municipal; com a aderência de instituições e organizações; com o diálogo constante, contemplando tanto a ponta da oferta de produtos como a ponta da demanda habitacional e encurtando também a distância entre elas.
Enfim, sintonia, que vai criar uma engrenagem azeitada para expandir o acesso ao mesmo tempo em que torna possível a disponibilização das moradias de forma ampla.
Não é difícil concordar que, para quem sonha com sua casa, é melhor ter um produto de qualidade, dentro da legislação, viável financeiramente, do que qualquer solução instável ou irregular. As dificuldades e demoras fazem com que, em última instância, as famílias percam a chance de ter seu lar de forma estruturada – porque quando uma família precisa de um lar, ela vai dar um jeito, ainda que não seja pelas vias formais.
Para evitar que isso aconteça, governos, empresas e sociedade têm que estar preparados e comprometidos a responder a essa demanda, que é muito real e só tende a crescer. E todos têm a ganhar com uma evolução positiva desse cenário.
Que tal padronizar as regras para quem produz habitação em escala? Que tal simplificar os mecanismos, potencializando o interesse local em aderir a programas habitacionais de abrangência nacional? E se houver mais incentivo a processos produtivos inovadores, que aceleram e barateiam a construção de qualidade?
Descomplicar, desembolar, desenvolver, para aprimorar a execução e multiplicar o acesso. São muitas as ideias, e quanto mais gente pensar nisso, mais perto da realização do sonho chegaremos. Vamos conversar?
(* )Eduardo Fischer é CEO da MRV, empresa do grupo MRV&CO.