Libertaram o tigrinho dos golpes nas redes
No sábado, 13 de julho, recebi um e-mail com o assunto “Liberta o tigrinho, Daniela”, “@GaleraBet te mencionou”, e um simpático tigre de animação de filmes chineses dançando feliz entre moedas douradas que chovem do céu. O cerco está por todos os lados. No Instagram, não paro de ter pedidos para ser seguida (minha conta não é aberta ao público) por perfis com nomes que remetem ao ecossistema deste já famoso cassino on-line que enganou muitas pessoas.
Influenciadores digitais que surfaram na onda e ganharam muito dinheiro porque mostravam um vídeo que demonstrava como as apostas funcionavam, mas de uma maneira completamente enganosa, foram presos em operação policial recentemente. As pessoas não sabiam que o vídeo era uma simulação e achavam que era possível ganhar 25 mil reais “do nada”.
O e-mail que recebi me oferecia R$ 1.000 de bônus para iniciar as apostas que invariavelmente só me levariam a uma espiral de perda financeira. O que impressiona neste novo tipo de golpe é não só a linguagem utilizada, mas o ecossistema midiático que foi criado para a circulação de um suposto jogo de apostas legalizado, que utiliza plataformas clandestinas e não segue a regulamentação já estabelecida para apostas esportivas (Lei 13.756/ 2018) ou segue a lei de tributação específica (Lei 14.790/2024) para jogos on-line, que está em transição e deve mudar no final do ano para legalizar jogos on-line, estabelecendo critérios técnicos e jurídicos para tanto.
O jogo do tigrinho foi notícia também por utilizar influenciadores mirins, ou melhor, crianças a partir de seis anos até adolescentes de 17 para disseminar o interesse pelo jogo. Reportagem da TV Cultura conta como o Instituto Alana denunciou a estratégia, que prosperou nas plataformas da Meta que, por sua vez, alega não impulsionar conteúdo deste tipo voltado a crianças.
Mas isso não impede que a rede continue a ser tecida, como pude perceber pela minha experiência. Navegar nas diversas plataformas pode ser potencialmente perigoso e causar alguns tipos de vitimização, que chega ao limite de precisarmos, como sociedade, trabalhar para uma literacia sociotécnica que tenha em vista não só o conhecimento de como as redes operam por meio de algoritmos e rotinas opacas, mas também para se proteger de ataques diversos e da violência digital que pode espreitar a cada esquina de bits escuros.
Este ambiente que se apresenta como um ecossistema midiático nos leva a pensar em como há uma dimensão de espaço na internet. Entrar neste espaço envolve cada vez mais riscos decorrentes de ações como clicar em links suspeitos ou se envolver em jogo aparentemente divertidos, que levam a prejuízos semelhantes a crimes como extorsão.
Este espaço digital permite a sobreposição de diversas camadas que precisam ser conectadas para que possamos compreender as intencionalidades das mensagens, o que se torna extremamente difícil para crianças e jovens que ainda estão sendo alfabetizados ou em formação, mas que são expostos a este espaço.
Manuel Castells, em seu já clássico A Sociedade em Rede, nos sugere que podemos pensar em um espaço de fluxos, que modifica a clássica conexão social do compartilhamento do espaço (contiguidade) com o tempo (simultaneidade), e é formada por três camadas. A primeira seria o suporte material do espaço de fluxos, que trata da configuração de infraestrutura técnica da rede. A segunda camada são os centros de comunicação que hoje temos como principais atores as plataformas. As plataformas constituem um espaço, mas podem constituir lugares, no sentido sociológico do termo? Essa é uma dificuldade para a localização espacial do indivíduo neste espaço. A última camada se refere aos interesses dominantes de cada estrutura social.
Estas estruturas, embora em sua maioria estejam localizadas espacialmente no Vale do Silício e também na China, contemporaneamente têm interesses globais, traduzidos nos termos de “capitalismo informacional”, “capitalismo de vigilância” e “economia de dados”. O espaço de fluxos, como define Castells, também passa pela influência de “microrredes pessoais”, que por sua vez podem projetar seus interesses nas macrorredes, como as plataformas.
Se o espaço é a expressão da sociedade, como afirma o autor, nada de novidade no Jogo do Tigrinho, já que no Brasil há uma criatividade para o desvio da lei e um uso cada vez mais violento das redes.
(*) Daniela Osvald Ramos é professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.
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