Lockdown de almas?
Desde o início da pandemia global do novo coronavírus, que levou a medidas preventivas como “lockdown” e afastamento social, uma lembrança me é recorrente: a meditação dinâmica criada pelo mestre espiritual indiano Osho, que consta de várias etapas. Uma delas, a penúltima parte, é parar de repente na posição em que se está, qualquer que seja.
“Stop!” é o comando dado em voz firme e clara após intenso movimento do corpo. Os praticantes são pegos de surpresa, às vezes em posições fáceis de permanecer em completa imobilidade corporal, enquanto outras se revelam bem mais difíceis ao se parar e aceitá-las.
Às vezes fico pensando na parcela da sociedade pega no “stop” que o vírus SARS-CoV-2 obrigou a humanidade a realizar, em posição desconfortável e sem qualquer preparação para tal acontecimento, quer seja em nível material, psicológico ou espiritual.
Quantas pessoas se adaptaram com mais facilidade à necessidade de distanciamento social, por exemplo? Imagino que seja uma minoria. Outras obedeceram a essa recomendação, mas, sem terem aprendido a ficar consigo mesmas em estado de solitude e tranquilidade, manifestaram distúrbios como ansiedade fora de controle e depressão.
E quem sofreu perdas financeiras, quantos destes adotaram a postura flexível do bambu, que verga mediante o sopro dos ventos fortes, contudo, sem perder a sua força e vitalidade?
Quantos puderam pausar e não o fizeram, atropelados por constante desassossego interior, de não conseguir tirar o foco do mundo exterior e voltar a atenção para dentro de si e do ambiente doméstico?
Movidos pela ânsia de ilusórios e perigosos desejos, muitos se atiraram a toda espécie de contravenção no mundo lá fora num cenário de pandemia, como sonâmbulos em direção ao precipício, em desobediência à razão, à ciência, ao raciocínio lógico, sem consciência e qualquer tipo de respeito à própria vida e a do outro, ainda que esse outro seja de seu mais íntimo e estreito laço familiar.
Nos descaminhos da inconsciência, da desinformação e da ignorância, milhares de pessoas em nosso país (atualmente, após um ano da pandemia, um dos mais assolados pela covid-19 no mundo) se transformaram em velozes vetores de transmissão da doença e, consequentemente, de risco de morte e de dor.
Trágico desencontro com a realidade, respaldado por alguns governantes nas esferas federal, estadual e municipal, que mostraram em seu comportamento desprezo pela saúde pública, indiferença à vida e ao destino de milhões de brasileiros.
Se assim não fosse, entre outras ações, haveria aceleração da aquisição de vacinas, campanhas publicitárias governamentais de informação e prevenção contra o coronavírus, maciçamente divulgadas em todos os veículos de comunicação do país.
Na contramão da vida, as fake news estão por aí a espalhar desinformação, ao negar a gravidade da covid-19, além de desestimular a população a tomar a vacina e a se proteger com o uso de máscaras.
Aqueles que agem de modo insensível e sem compaixão pelo próximo revelam que, em algum ponto de suas vidas, cortaram os laços e a conexão com o mundo interior, distanciaram-se da direção do coração. Por isso, traduzem muito bem a expressão que nos é muito comum ouvir: “falta alma àquela pessoa”.
Tudo na vida é contagioso. Então, rezo para que as forças luminosas sejam fortalecidas e dissipem a escuridão do desamor, da frieza dos sem alma, onde quer que estejam: no âmbito político, social ou familiar.
Enquanto escrevo este artigo, chegou a notícia de mais mortes de gente conhecida, famílias que perderam seus entes queridos para a covid em efeito dominó... Que lástima!
Meu coração aperta e as lágrimas escorrem. Envolta neste sentimento, convido o leitor a rezar comigo a oração da Ave Maria:
Ave Maria
Cheia de graça
O senhor é convosco
Bendita sois vós
Entre as mulheres
E bendito é o fruto
Do vosso ventre, Jesus
Santa Maria
Mãe de Deus
Rogai por nós
Os pecadores
Agora e na hora
De nossa morte.
Amém.
(*) Enildes Corrêa é administradora, terapeuta, professora de Yoga e orientadora de práticas de meditação e respiração consciente com formação na Índia.