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Mil imagens e uma só palavra: INTOLERÂNCIA. A iminência de uma nova tragédia?

Por Sergio Dayrell Porto (*) | 12/09/2011 10:10

Estava em meu escritório de coordenação do curso de jornalismo de uma das escolas particulares de Brasília, quando, mais ou menos às 8h50, toca o telefone. Era o professor de fotografia, o boliviano Lucas Clavijo Erazo, falando com seu portunhol: “os muçulmanos estão destruindo Nova York. Um avião 767 da American Airlines acaba de chocar-se contra uma das torres gêmeas do Wall Street de Nova York. O prédio está em chamas e deve haver milhares de vítimas num dia normal de trabalho como hoje, uma terça-feira”.

Desligo o telefone, vou para a televisão. E aí vejo tudo o que nós todos já sabemos: um ataque terrorista promovido pela rede Al Qaeda, comandada por Osama bin Laden, aos pulmões do maior centro financeiro do mundo, as torres gêmeas do World Trade Center em Nova York. Um total de 2.753 mortos. Logo em seguida, outro avião similar ao primeiro dirige-se para destruir o Pentágono em Washington, o que acabou acontecendo, apenas na fachada da parte oeste do prédio.

A idéia era destruir o centro de defesa política dos Estados Unidos, a maior e mais poderosa nação do mundo contemporâneo. Um terceiro avião de igual porte cai no Estado da Pensilvânia, quando seus passageiros resolvem enfrentar os terroristas. Possivelmente seu destino poderia ser a própria Casa Branca. Configurava-se então uma guerra de conotação suicida do Oriente versus o Ocidente, como diria o então presidente George W. Bush, uma guerra do mal contra o bem.

De lá para cá, 10 anos depois, em que pesem amplas coberturas, milhares de interpretações, análises políticas e explicações midiáticas, não se tem notícia de maior agressão havida a uma nação, por sinal, a mais poderosa do mundo. Em 15 de setembro de 2008, com a falência do Banco Lehmann Brothers, sete anos depois, possivelmente uma nova catástrofe à nação norte-americana.

Pior do que as guerras do Vietnam, da Coréia, do Afeganistão, do Iraque e todas aquelas em que os Estados Unidos se metem como intrusos, a agressão às torres gêmeas de Nova York e ao Pentágono em Washington resta como o desafeto maior, o grande pecado mortal e sacrilégio cometido pelos muçulmanos à nação de de um possível novo ataque, ali mesmo ou a outros ícones e símbolos pilares da cultura norte-americana e ocidental.

O medo passou a ser o personagem principal de quem se apega à vida e à cultura norte-americana, independente das crises econômicas de 2008 e de agora, independente da ação dos furacões chamados por nomes de mulheres, como este de agora, o furacão Irene. Steven Weber, professor de política internacional e segurança na Universidade de Berkeley, na Califórnia, diz à revista Veja de 7/9/2011: “O terrorismo já está se tornando um tema menos relevante, mas continuará no rol de prioridades da agenda americana. Outras questões se consolidarão no topo das preocupações. Mas, se houver mais um atentado de grandes proporções, o terrorismo voltará a liderar a lista, é claro."

O fotógrafo boliviano Lucas Clavijo Erazo produziu um vídeo de cinco minutos, a que ele intitula Mil Imagens e Uma Só Palavra: Intolerância. Em lugar de um happy end, que devolveria a Nova York as suas antigas feições, ele abre para um unhappy end, com estas palavras aqui lembradas acima. O vídeo não chega a ter 100 tomadas, cujas imagens-chave que se repetem constantemente – não são palavras-chave, podem ser resumidas em apenas três: prédios em vertical, prédios inteiros em vertical, prédios destruídos e em chamas, cuja verticalidade novaiorquina se decompõe. Aos muitos prédios verticais, acrescentam-se imagens de imensas nuvens de fumaças e de poeira, fumaças que saem dos prédios desabados e em chamas, prédios que deixaram de ser verticais para transformarem-se em amontoadas informes de cinzas e destroços.

Deu-se a queda do império americano, parafraseando o filme canadense do mesmo nome. E a terceira imagem preponderante do vídeo, enormes esguichos d’água, tentando inutilmente apagar o fogo dos prédios, como se a extinção do fogo que destrói a parte financeira do sul da ilha de Manhattan em Nova York estivesse a cargo apenas dos bombeiros, fossem ou sejam eles militares ou civis. Sabemos que 343 bombeiros morreram no sinistro e que o fogo aí perdurou por 99 dias.

Uma das imagens mais impressionantes da catástrofe pode ser vista através do prédio Empire State Building, como que querendo dizer: o império ainda não foi destruído, mas está prestes a ruir. Numa das poucas frases que podem ser lidas, um aviso: New York City closed to all traffic. Por sinal, este vídeo do professor de fotografia Lucas Clavijo Erazo está incorporado ao livro A Incompreensão das Diferenças: 11 de setembro em Nova York, organizado por Sérgio Dayrell Porto, editado pelo IESB e CNPq, em setembro de 2012, um ano após a tragédia. Lucas Clavijo usa a trilha sonora “O Mosquito” a partir de mixagem feita por seu filho, José Clavijo, em 9/11/2002. Quanto às imagens, ele faz uma montagem de fotos extraídas da cobertura de imprensa feita em todo o mundo, nos days after à monumental agressão.

O vídeo termina com imagens de inúmeras bicicletas e de carrinhos de bebê montados em bicicletas, indo e voltando em todas as direções, querendo dizer que se Nova York está fechada para todo o tráfico, ainda existe o percurso livre que fazem as bicicletas e os bebês, e de que ao mundo ainda existem saídas, as saídas da tolerância.

(*) Sérgio Dayrell Porto é pesquisador associado sênior da Universidade de Brasília, coordenador do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Comunicação, bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, mestre em Comunicação pela UnB e PhD em Comunicação pela McGill University (Montreal, Canadá), com estudos pós-doutorais pela mesma universidade.

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