O agronegócio e a mineração são os motores do crescimento no Brasil?
O desenvolvimento socioeconômico é um processo complexo e multifacetado que envolve a capacidade de um país (ou região) manter taxas elevadas de expansão da renda per capita e de transformar tal progresso material em melhorias na qualidade de vida de sua população. Não se trata, portanto, apenas de produzir mais bens e serviços, mas, também, de estabelecer condições para que as pessoas possam viver mais e melhor.
Desde as suas origens, a Ciência Econômica busca explicar o fenômeno do crescimento, seus determinantes e efeitos sobre as sociedades. Hoje este é percebido como uma condição necessária, ainda que insuficiente, para o desenvolvimento. Ademais, sabemos que vários aspectos o condicionam, entre eles: os investimentos em infraestrutura física (empresas, estradas, portos, geração de energia, comunicação, etc.); a existência de uma base ampla e qualificada de recursos humanos; o perfil das instituições políticas e sociais; a capacidade de gerar e/ou de absorver inovações tecnológicas; a existência de ligações robustas e diversificadas entre as empresas locais e a economia global; a preservação de relativa estabilidade macroeconômica.
O crescimento está estreitamente ligado à conformação de estruturas produtivas alicerçadas em setores modernos, caracterizados como fontes permanentes de aumentos da produtividade, a qual transborda para além de suas próprias fronteiras. Quase todos os casos de sucesso, entendido este como a capacidade de manter taxas elevadas de expansão econômica por longos períodos, são de países que diversificaram suas estruturas produtivas e de comércio internacional, tornando-as mais complexas e sofisticadas tecnologicamente. E isso se deu por meio da ação consciente dos seus Estados Nacionais, que foram capazes de construir políticas públicas eficientes.
São exceções os países capazes de se desenvolver a partir da elevada especialização em poucos produtos, particularmente quando estes estão sujeitos às condições mais voláteis de preço e demanda, como as commodities agrícolas e minerais.
Por isso mesmo, segue relevante o debate em torno da estrutura produtiva adequada para garantir um ciclo longo de prosperidade para o Brasil. Ou, dito de outra forma, cabe indagar se a produção e a exportação de recursos naturais (cereais, proteína animal, minério de ferro, etc.) são sustentáculos suficientemente firmes para a economia brasileira.
Para alguns, tal seria a vocação natural do país, confirmada pelo maior dinamismo relativo daqueles setores em comparação com o conjunto da economia nacional. Vejamos:
- entre 1996 e 2022, tomando-se o produto interno bruto (PIB) trimestral (série com ajustes sazonais), o valor adicionado na indústria de transformação cresceu somente 18% em termos acumulados. Os demais setores apresentaram o seguinte desempenho: produção agropecuária (+142%), indústria extrativa (+113%) e serviços (+84%). O conjunto do PIB, por sua vez, avançou em 77%;
- entre 1997 e 2021, as exportações de bens agropecuários e da indústria extrativa passaram de US$ 9 bilhões para US$ 135 bilhões, um incremento de quatorze vezes. As vendas de manufaturas cresceram de forma menos intensa: de US$ 42 bilhões para US$ 143 bilhões (+136%); e as exportações totais passaram de US$ 53 bilhões para US$ 281 bilhões (+330%);
- ao se comparar a produtividade setorial desde o começo dos anos 1980 – vale dizer, a geração de valor adicionado por trabalhador –, observa-se que a agricultura e a mineração avançaram relativamente mais do que a média da economia brasileira e do que a indústria de transformação.
Há evidências robustas de que o Brasil possui vantagens comparativas em recursos naturais, ou seja, de que somos capazes de produzir a custos mais competitivos do que a média global e em escalas que nos garantam um papel de destaque. Está longe de ser evidente, todavia, que tal sucesso é capaz de garantir empregos, rendas e impostos suficientes para atender às necessidades de um país continental cuja população poderá chegar a 250 milhões de pessoas.
Em nossa história, tanto no período colonial quanto nos duzentos anos de nação independente, houve o predomínio da chamada ‘vocação natural’, que nos legou uma realidade de atraso, de concentração da renda e de instabilidade.
Em estudo sistemático sobre o tema, o Banco Mundial nos lembra de que a indústria de transformação é o motor do crescimento econômico: “… poucos países alcançaram níveis elevados de renda sem desenvolver uma base industrial”. O Brasil obteve suas taxas mais robustas de crescimento exatamente nas décadas em que estava se industrializando e urbanizando. Entre 1951 e 1980, a renda per capita brasileira crescia a uma taxa média de 4,5% a.a., bem acima da média mundial (3,3% a.a.). Desde então, tal indicador despencou para 0,8% a.a., menos do que a metade do ritmo global (2,1% a.a.). O colapso do crescimento brasileiro coincide com o intenso processo de perda de vitalidade da indústria de transformação. Com um motor falho, o país tornou-se mais dependente de setores incapazes de ‘per se’ liderarem dinâmicas robustas de expansão.
Esse resultado converge com a literatura recente, segundo a qual, controlados outros fatores que podem afetar o crescimento no longo prazo, quanto mais especializada for uma economia na produção e nas exportações de recursos naturais, pior tende a ser o seu desempenho. Disso não se deriva a ideia de que o agronegócio ou o extrativismo mineral são ruins em si. Pelo contrário, em certas circunstâncias, eles podem contribuir para o desenvolvimento de um país, especialmente quando a exploração dos recursos da natureza se dá sem que a mesma seja destruída pelo próprio processo produtivo. E, mais ainda, quando permite agregar capacidades produtivas de setores mais dinâmicos tecnologicamente.
Tais condições não emergem naturalmente e demandam políticas públicas robustas e instituições maduras, as quais devem buscar reduzir os problemas associados à assim chamada “maldição dos recursos naturais”. Sem isso, é baixa a probabilidade de que o sucesso recente dos setores intensivos no uso de recursos naturais possa ser a fonte mais geral e permanente de vigor em uma economia como a brasileira.
(*) André Moreira Cunha é professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Faculdade de Ciências Econômicas