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O colapso da modernização

Por Gilberto Verardo (*) | 24/11/2023 13:00

Título de um exemplar garimpado em uma livraria de usados. “Os passageiros do Titanic querem ficar no convés e que a banda continue tocando. Se tivermos de viver mesmo o fim da história, não será um fim feliz”. Com estas palavras de ar fúnebre, o economista alemão Robert Kersz resumiu, na apresentação do seu livro, o processo da economia mundial, examinando o cenário entre as décadas de 1960 e 1990.

Lançado pela editora Paz & Terra (1993), com ares premonitórios, afirmou que as perspectivas eram negras para a economia mundial e estavam reservadas a todos os países de índole capitalista, sem exceção, caso o atual sistema regido pela lei de troca de mercadorias insistisse em se perpetuar.

Neste período, o fenômeno das mudanças climáticas, claramente provocado por este atual modelo econômico, mesmo como notícia, não era digna de veiculação. No mesmo lugar e oportunidade garimpei outro livro mais novo, lançado em 2019: “A lógica do Cisne Negro” de Nassin N. Taleb. Ensinando Teoria da Probabilidade em gerenciamento de riscos no Instituto Causant de Ciências Matemáticas da Universidade de Nova York, inicia assim o prólogo: “Antes da descoberta da Austrália, as pessoas do antigo mundo estavam convencidas de que todos os cisnes eram brancos.

Esta era uma crença inquestionável. Deparar-se com o primeiro cisne negro pode ter sido uma surpresa e tanto para alguns ornitólogos intelectuais, mas não é aí que está a importância da história. Ela simplesmente ilustra uma limitação severa da educação moderna,  ao mesmo tempo em que revela a fragilidade do nosso conhecimento diante de fatos e ocorrências inusitadas”.

A natureza cognitiva humana faz com que desenvolvamos explicações para a ocorrência de eventos inesperados, se tornando explicáveis e previsíveis depois de já ter ocorrido, a exemplo do atentado de 11 de setembro nos EUA, da Pandemia e da crise climática. Por que não reconhecemos um fenômeno antes que ele ocorra? Ou por que o ignoramos?

Continuamos a não perceber certas ocorrências óbvias (cisne negro), como a crise climática, o colapso da modernização criada pela revolução industrial, a decadência da condição humana, a riqueza germinando a desigualdade, a divisão da vida humana em pequenas especializações, os valores e sentimentos humanos reféns do monetarismo e do ódio, enfim, as criações humanas virtuosas indo pro ralo e novas explicações teóricas “tampa buraco” nascendo, mas sem caminhar junto a ações efetivas.

A matriz do pensamento científico contemporâneo ainda está amarrada ao método cartesiano assentado no binômio causa e efeito. Como consequência, desenvolvemos baixa capacidade de se antecipar a crises, eventos extremos ou repentinos. As catástrofes climáticas estão entre eles. Diante disso, e ante esta conjuntura global, quase em desespero, depositamos uma esperança nas eleições do ano que vem, ansiando por predicados como boa intuição e empatia com as reais necessidades da população e do seu habitat eco-climático. Não é esperar demais.

No entanto, uma leitura criteriosa da realidade nos mostra que estamos no início de um processo de transição de modelo social e econômico. A crise climática, gerada também pelos combustíveis fósseis e pela produção de alimentos, não é causalidade isolada neste processo de mudança forçada da matriz econômica. Ela já foi iniciada, pressionada pela crise climática, que exige, para a sobrevivência da civilização, novas formas de produção e comércio e um novo arranjo do mercado ocupacional.

Mesmo adotando equivocadamente o adjetivo “sustentabilidade”. No entanto, é inquestionável que neste momento frágil e decisivo para a humanidade se reaproximar da natureza, sem o condão de predador com cara de anjo, é um primeiro passo civilizado para admitir os exageros desencadeados pelo Etnocentrismo.  Um segundo aspecto seria desapegar-se de bens de consumo com características de ostentação.

É a filosofia minimalista querendo espaço. Em terceiro lugar é melhor preparar o espírito (a saúde psicológica) para se adequar as mudanças. Novas normas e leis devem ser necessárias para um novo ajustamento coletivo e individual. Nada desse papo de “nova ordem mundial ou teoria da conspiração”. São os fatos desencadeando novos processos vitais para a sobrevivência da humanidade. Adaptar ou perecer serão as novas condições civilizatórias.

Enquanto isso, os poderes, confusos, se comportam como se estivessem diante de cisnes negros.

(*) Gilberto Verardo é Psicólogo.

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