O Futuro é Bio
“Brasil, Economia Natural do Conhecimento”. Este é o título de um estudo, realizado pela instituição britânica Demos e o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), sobre a forma como a economia brasileira tende a avançar, aliando a sua base de conhecimentos com os seus recursos naturais. Lançado em 2008, o estudo afirmou que o Brasil pode ser um país capaz de desafiar a lógica dominante, segundo a qual as economias baseadas em recursos naturais e aquelas baseadas em conhecimento ocupam extremos opostos do eixo de desenvolvimento econômico.
Extração de petróleo em águas profundas; matriz energética limpa, baseada em hidroeletricidade e bioenergia; agricultura que utiliza práticas sustentáveis inéditas, como tropicalização de cultivos, plantio direto, fixação biológica de nitrogênio, integração lavoura-pecuária-floresta, etc. Estes são exemplos do que há de melhor na capacidade inovadora brasileira, combinando a engenhosidade da nossa ciência com a rica base de recursos naturais do nosso país-continente.
Interessante revisitar o tema nesse momento em que ganha força a bioeconomia, ramo da atividade humana que promete reunir todos os setores da economia que utilizam recursos biológicos (seres vivos) para oferecer soluções coerentes, eficazes e concretas para grandes desafios como as mudanças climáticas, substituição de insumos de origem fóssil, segurança alimentar e saúde da população.
Na verdade, a bioeconomia ganha força e visibilidade porque a sustentabilidade entrou de vez na agenda da sociedade. Em breve os produtos que consumimos serão certificados não apenas por sua qualidade e segurança. O requisito de mínimo impacto ambiental será norma em todos os processos de fabricação. Ganhará cada vez mais evidência o conceito de “ciclo de vida” que exigirá atenção não apenas com as boas práticas de produção, mas também com o planejamento do descarte, do reúso ou da reciclagem de todos os componentes do produto, até mesmo embalagens, rolhas, rótulos, etc. Portanto, o futuro exigirá ênfase na produção de base biológica, com componentes renováveis e de baixo impacto ambiental.
Na base da bioeconomia está a pesquisa em diferentes ramos da biociência, com destaque para a biotecnologia, que o fundador da Microsoft, Bill Gates, descreveu certa feita como o campo do conhecimento humano que desempenha no presente o mesmo papel exercido pela programação de computadores no século 20. Ele argumenta que “se alguém quer mudar o mundo de forma radical, deve começar pelas biomoléculas. Elas precisam do mesmo tipo de entusiasmo que caracterizou os jovens gênios que criaram a indústria dos PCs".
Verdadeiras revoluções estão acontecendo na biologia, que nos permitem ampliar a compreensão de mecanismos complexos em plantas, animais e microrganismos. E, por causa disso, as indústrias farmacêutica, química, de alimentos, da saúde, da energia e da informação estão se integrando de forma nunca antes imaginada. As fronteiras entre negócios tradicionalmente distintos já desaparecem, criando uma grande convergência na direção do que promete ser a maior indústria do planeta - a bioindústria.
A bioindústria já tem permitido transformar derivados da cana-de-açúcar em garrafas pet, fabricar estofados de carro biodegradáveis, biossensores para monitorar poluição, aplicar biomateriais para reparar tecido ósseo, desenvolver biofármacos para enfrentar doenças, produzir inimigos naturais para controlar pragas, e usar microrganismos para degradar resíduos.
Aviões já realizam os primeiros voos comerciais utilizando bioquerosene como combustível. Empresas brasileiras geram novos produtos como sabonetes e essências, a partir de nossa extraordinária diversidade biológica. Movimentam assim a economia, criando empregos, recompensando as comunidades tradicionais e oferecendo alternativas em um mercado cada vez mais sofisticado.
Na convergência da biologia com outras ciências, surgem projetos inesperados. Na mecânica, agora se estuda o movimento de pássaros como o beija-flor, em busca de ideias para a criação de aeronaves com propriedades e aerodinâmica inovadoras. A biologia e a nanotecnologia, unidas, buscam construir fibras ultrarresistentes, mimetizando a teia de aranha.
Um campo fértil para o avanço da bioeconomia, no Brasil, é o das biorrefinarias, indústrias capazes de obter da biomassa quase tudo que hoje destilamos do petróleo. Como resultado, em breve veremos grande convergência e sinergia entre setores como agricultura, química, energia e materiais.
Como se vê, o Brasil tem experiência, capacidade e diversidade biológica inigualável para se destacar na nascente bioeconomia. Requer apenas que a infraestrutura de pesquisa e inovação, o ambiente regulatório e os investimentos privados sejam estimulados para que o país alcance o papel de destaque que lhe cabe. Assim, a bioeconomia consolidará a imagem inata do país, como economia natural do conhecimento. Não há tempo a perder.
(*) Maurício Antônio Lopes, presidente da Embrapa