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O que cientistas poderiam aprender com influenciadores digitais

André Mazini (*) | 03/05/2020 13:13

Quase quatro horas, ou 225 minutos pra ser mais exato. É esse o tempo médio que o brasileiro gasta diariamente em redes sociais segundo a última pesquisa da GlobalWebIndex. No estudo que avaliou os 45 maiores mercados de internet, o Brasil só fica atrás das Filipinas no ranking dos países que passam mais tempo conectados às redes.

O indicador diz muito sobre a relevância que os influenciadores digitais ganharam na última década. Independente da área em que atuam, esses profissionais não se popularizam necessariamente pela qualidade técnica ou acadêmica do conteúdo que produzem. Eles não precisam necessariamente de fontes, método, comitê de ética. Obrigatoriamente, não precisam nem de coerência. Mesmo assim muitos deles conseguiram se posicionar como fontes de informação (ou até líderes de opinião) em um ambiente que demorou a ser ocupado por profissionais da academia.

O influenciador entendeu que ele só tem razão de existir se houver pessoas para ouvi-lo. E para conquistar esse capital ele sabe que, na tal sociedade do espetáculo, ainda mais importante do que a qualidade e a precisão do conteúdo produzido, é a forma como esse conteúdo vai ser apresentado. Luz certa, microfone, cenário, tempo de vídeo, recursos de edição, horário de postagem, customização do conteúdo de acordo com o perfil de público, escolha estratégica dos temas abordados, branding, estratégias de engajamento, métricas, entre muitos outros itens.

Manter um nível alto de influência sobre as pessoas exige um tipo expertise que normalmente não é lapidada na formação acadêmica tradicional. Nem nos cursos de Jornalismo é uma constante que haja qualificação para que os profissionais em formação aprendam a fazer divulgação científica. Entre todos os cursos de Jornalismo de Mato Grosso do Sul, para continuar no mesmo exemplo, somente a UFMS conta com uma disciplina – que não é obrigatória – de Jornalismo Científico. Esse cenário acaba ajudando a criar um vácuo entre o que se produz no meio acadêmico e o que chega de fato à população nas muitas horas em que ela está exposta aos conteúdos on-line.

Em tempos de Fake News, especialmente no contexto de uma pandemia como que estamos enfrentando, ainda sem vacina, ou remédio, melhorar a comunicação científica passou a ser uma necessidade de saúde pública. E as pessoas querem saber mais sobre ciência. Digo não como palpite, mas baseado em dados produzidos pelo próprio Ministério da Ciência de Tecnologia.

A última versão da pesquisa “Percepção Pública Sobre Ciência no Brasil”, publicada em 2019, revela que o cientista está entre os três profissionais mais confiáveis, ao lado de médicos e jornalistas. Mas, apesar da expressiva confiança registrada nos profissionais que produzem ciência no Brasil, apenas uma em cada dez pessoas entrevistadas nessa pesquisa conseguiram citar o nome de um único cientista. Apenas uma pessoa!

Sei que não é um pleito simples, mas na minha perspectiva, falando como quem transita nesse binômio comunicação/universidade há pelo menos 17 anos, a comunicação precisa ser inserida de forma objetiva na formação dos profissionais de nível superior, independente da área de atuação. Há muito tempo a necessidade de comunicar deixou de ser exclusividade dos profissionais que trabalham com comunicação social.

Enquanto isso não acontece de forma estrutural, com adaptação dos currículos universitários, é importante aprender com quem tem tido sucesso na forma como se comunica e nesse sentido, há, sim, muito o que que se aprender com influenciadores digitais, youtubers, blogueiros e outros profissionais que têm tido sucesso em manter um canal ativo de comunicação com seus públicos. O desafio que fica é conciliar a forma mais atraente possível com o conteúdo mais preciso possível. Sigamos tentando.

(*) André Mazini é coordenador do Projeto Mídia Ciência de Jornalismo Científico na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul pela Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia.

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