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O que é ser feliz?

Isaac Roitman (*) | 08/10/2022 07:30

Segundo o dicionário, felicidade é o estado de quem é feliz, um sentimento de bem-estar e contentamento. Os filósofos associam a felicidade com o prazer, com os sentimentos e emoções. Segundo Aristóteles, a felicidade seria o equilíbrio e harmonia, e a prática do bem. Para Epicuro, a felicidade ocorre através da satisfação dos desejos. Para Pirro de Élia, a felicidade acontecia através da tranquilidade. Para o filósofo indiano Mahavira, a não violência era um importante aliado para atingir a felicidade plena. Para o filósofo chinês Lao Tsé, a felicidade poderia ser atingida tendo como modelo a natureza. Já Confúcio acreditava na felicidade devido a harmonia entre as pessoas. No budismo, a felicidade ocorre através da liberação do sofrimento e pela superação do desejo, através do treinamento mental.

Para Immanuel Kant, a felicidade é a condição do ser racional no mundo, para quem, ao longo da vida, tudo acontece de acordo com o seu desejo e vontade. Para Friedrich Nietzsche a felicidade é frágil e volátil. E complementava, a melhor maneira de começar o dia é, ao acordar, imaginar se nesse dia não podemos dar alegria a pelo menos uma pessoa. Segundo Albert Einstein, uma vida calma e modesta traz mais felicidade do que a busca do sucesso combinada com uma constante inquietação. Por outro lado, Hannah Arendt introduziu o conceito de felicidade pública com a participação pública nas questões políticas, da possibilidade de reunião, da alegria do discurso, da possibilidade de persuadir e ser persuadido, a liberdade pública de agir em conjunto.

 O psiquiatra Sigmund Freud defendia que todo indivíduo é movido pela busca da felicidade, mas essa busca seria uma coisa utópica, uma vez que para ela existir, não poderia depender do mundo real, onde a pessoa pode ter experiências como o fracasso, portanto, o máximo que o ser humano poderia conseguir, seria uma felicidade parcial.

 Diante dessa imensidão conceitual do significado da felicidade, não me atrevo a questionar nenhum dos conceitos acima reproduzidos. No entanto, penso que é legítima a pergunta que dá título a esse artigo: O que é ser feliz? A inspiração para surgir esse questionamento está ligado a uma experiência real que tive recentemente e que passo a descrever.

Recebi em minha residência uma parente brasileira que há alguns anos foi morar em Israel. Ela veio acompanhada da filha mais nova nascida em Israel que tem 2,5 anos. A criança domina três línguas: hebraico, inglês e português o que reforça o potencial cognitivo dos primeiros anos de vida. Inicialmente a criança no colo da mãe não queria fazer interação e pedia para ir embora. Para iniciar uma comunicação com ela, cantei, ri e fiz até uma mágica. Sucesso total. A criança não parou. Parecia uma boneca de corda, cantava, dançava, sorria. Ela rodopiava, como se fosse um pião.

De repente, enquanto rodopiava, gritou: "Eu estou feliz". Fiquei emocionado e arrepiado, admirando o sorriso encantador da criança. Nos dias que seguiram essa cena não saía de minha cabeça e procurei refletir um pouco sobre a felicidade. Percebi que, apesar de pouco tempo de vida, aquela criança me ensinava que o sentimento de felicidade se concretizava através da interação humana e a linguagem da arte, música e dança.

Aprendi que a palavra felicidade, deve ser usada no plural. Existem inúmeras formas de felicidade. Não é por acaso na canção de aniversários, a palavra é usada no plural (muitas felicidades, muitos anos de vida). Aprendi também que poder ter a interação com uma criança é uma forma pura e cristalina de ser feliz. No episódio que relatei, a felicidade foi mútua. A criança não teve barreiras para expressar os seus sentimentos e eu não a imitei gritando, pois estou limitado para obedecer às regras sociais.

É pertinente relembrar dois pensamentos de Carlos Drummond de Andrade: "Há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons"; "Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade". Foi o que aconteceu, de repente, com o convívio com aquela encantadora criança. Vou lembrar-me dela como uma fada da felicidade. Que maravilha se todas as crianças pudessem ser como ela. Poderíamos imaginar um futuro glorioso e feliz para a humanidade, que hoje carece de felicidades.

(*) Isaac Roitman é doutor em Microbiologia, professor emérito da Universidade de Brasília e membro titular de Academia Brasileira de Ciências.

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