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Onde falhamos no caso da Vanessa Ricarte? Algumas reflexões.

Por Eloisa Castro Berro (*) | 18/02/2025 10:29

A Casa da Mulher Brasileira - CMB é um espaço público que agrega um conjunto articulado de ações da União, do Estado e do Município para a integração operacional do Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, trabalho, entre outras.

É um modelo revolucionário de enfrentamento à violência contra a mulher pois integra e articula os equipamentos públicos voltados às mulheres em situação de violência. Faz parte do programa “Mulher: Viver sem Violência” do Ministério das Mulheres e representa a concretização de uma política de tolerância zero contra quaisquer formas de violência.

A CMB foi inaugurada em 2015 pelo Governo Federal e representa o sonho da efetivação de uma política pública integrada e um atendimento humanizado para as mulheres em situação de violência.

Desta forma, todos os Órgão e Serviços da Casa buscam, de forma integrada, oferecer os serviços especializados, no mesmo espaço público, para os mais diversos tipos de violência contra as mulheres. Isso evita que desistam do processo e/ou sejam revitimizadas por terem que detalhar repetidamente sua história, em busca de atendimento pelo Estado.

Nesta nota, vamos refletir sobre o feminicídio ocorrido dia 12/02/2025 da jornalista Vanessa Ricarte, 42 anos, que mostra uma triste realidade de falha de um conjunto de procedimentos legais e de acolhimento existentes, procedimentos esses que deveriam ser eficazes e ágeis em defesa e proteção das mulheres.

Em áudio a Vanessa descreve ter informado a Delegacia de Atendimento à Mulher – DEAM, a decisão de retornar à sua casa onde estava o agressor. Neste caso, o percurso deveria ocorrer com a escolta da Patrulha Maria da Penha ou da Segurança Pública, conforme o protocolo de avaliação de risco para as mulheres em situação de violência que orienta o atendimento da Casa da Mulher Brasileira.

Temos que levar em conta que todo agressor é um potencial feminicida e, sendo o feminicídio um crime evitável, não devemos atuar sem levar isso em conta. Não podemos minimizar os riscos, a vítima nem sempre tem a percepção do perigo que está correndo.

Cabe avaliar todos os procedimentos da Casa da Mulher Brasileira mas vamos nos ater a algumas situações que foram relatadas nos áudios da Vanessa, divulgados pela mídia. Destacamos abaixo algumas dessas situações/constatações:

  • Não pode haver dúvidas em relação ao relato da vítima, o interrogatório não pode parecer uma acusação. Não podem ser tratadas com desconfiança em nenhum setor da Casa, o ambiente deve ser de confiança e respeito às mulheres;
  • A vítima deve ser esclarecida sobre o que vai acontecer depois do BO e também quanto aos diferentes e possíveis atendimentos;
  • O formulário de avaliação de risco é importante para os encaminhamentos necessários e pode ser aplicado por todas as instituições da CMB;
  • Na maioria das vezes a mulher não tem percepção do risco existente, mas a equipe da Casa deve avaliar a partir do histórico do agressor e aplicar medidas rigorosas de proteção;
  • É preciso implantar protocolos para vítimas a partir do histórico do agressor (BOs anteriores);
  • O atendimento psicossocial é de responsabilidade do município e precisa ser reforçado, cumprir o seu papel, principalmente no sentido de monitorar as mulheres a partir dos pedidos de Medida Protetiva de Urgência;
  • A formação/capacitação da equipe de atendimento e acolhimento à vítima deve ser continuada;
  • É preciso diminuir o tempo de espera das mulheres para serem atendidas;

 É importante que o Colegiado Gestor da Casa, que tem a função de integrar as diferentes áreas no sentido de oferecer intervenções positivas e humanizadas às situações de violência contra mulheres que procuram o serviço, possa avaliar e entender quais as falhas do mecanismo de proteção as mulheres em todos os serviços e rever os processos de atendimento.

Ressaltamos que a elaboração de documentos/ protocolos/registros é tão importante quanto o acolhimento e atendimento humanizado, que consta das Diretrizes Gerais da Casa. A vítima deve ser recebida de forma a se sentir confiante para aceitar as propostas e aderir às recomendações.

                  O setor psicossocial da CMB tem uma grande responsabilidade nesse processo de acolhimento na prestação de atendimento continuado. Inclusive todos os outros serviços da CMB podem encaminhar as mulheres para o atendimento pela equipe de apoio psicossocial, caso seja identificada essa necessidade. No caso de violência recorrente, a equipe precisa orientar e mostrar à vítima que o risco aumentou.

Se a gente se colocar no lugar dessas mulheres, o que a gente quer? Ser bem atendida, não é? Independente da função que se exerce, fazer o melhor é a razão do agente público. Para a mulher, faz toda a diferença ser bem atendida. Assim, todos os serviços da Casa devem assumir o compromisso de oferecer um atendimento integral e humanizado às mulheres. É um lugar que acolhe, apoia e liberta.

Nosso entendimento é que a política pública existe para melhorar a vida das pessoas, a gente é que está a serviço. Buscar garantir a qualidade de vida, bem como a defesa dos direitos humanos e sociais é a essência do nosso trabalho. Atuamos numa área que valoriza a vida, onde a humanização do atendimento faz parte do nosso cotidiano. A Casa representa um pequeno oásis impactando na vida da mulher em situação de violência, é preciso que ela cumpra a sua função.

Nosso sonho é que a Casa da Mulher Brasileira continue contribuindo para que possamos ter uma sociedade mais humana, menos machista e uma cultura de respeito, dignidade e igualdade de gênero na sociedade. Não vamos mais permitir que a força física e o machismo destruam a dignidade e/ou a vida das mulheres.

Temos o dever de buscar explicações e de lutar por políticas públicas de qualidade e que protejam a vida das mulheres. As nossas vidas importam e merecem ser respeitadas!

Justiça por Vanessa!

(*) Eloisa Castro Berro. Assistente Social e Ex Coordenadora da Casa da Mulher Brasileira de Campo Grande/MS pelo Ministério das Mulheres.

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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