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Os desafios da volta às aulas presenciais

Cláudia Costin (*) | 15/08/2021 12:55

Depois de cerca de 40 semanas distantes das salas de aula, dada a pandemia de COVID em que ainda estamos imersos, lentamente começam a retornar às escolas milhões de estudantes brasileiros. Eles voltam em meio a temores ainda fortes de riscos de contaminação, mas também com a consciência de que haverá um constante abrir e fechar, se casos forem identificados, senão de escolas inteiras, certamente de “bolhas” ou grupos de alunos, em que se dividem agora as turmas, para assegurar algum distanciamento social.

Também poderão acontecer “lockdowns” que nos levem a interromper o acesso presencial às aulas, se a vacinação for muito lenta ou se surgirem novas variantes não cobertas pelos atuais imunizantes. Em outros termos, o retorno não será para uma escola que atenderá, todos os dias a todos os alunos. A Educação Básica terá que mudar.

E esta mudança pode ter vindo para ficar. Com um esperado fim da pandemia, alguns aprendizados profissionais que ocorreram entre professores e gestores educacionais eventualmente irão se consolidar. Afinal, foi nas crises que a humanidade mais inovou, aprendeu e quebrou paradigmas. É como se catástrofes tivessem um poder de nos tirar da zona de conforto e nos obrigar a construir novas soluções para os problemas vivenciados.

Neste sentido, a acelerada inclusão digital que acabou acontecendo com mestres dando aula em plataformas e alunos acessando no celular ou em outros dispositivos preparou de alguma maneira a escola para uma outra prática. É verdade que houve  grandes dificuldades, dada a reduzida conectividade e os custos dos pacotes de dados para aqueles que não receberam chips de suas secretarias, mas alguma aprendizagem em meio digital ocorreu.

Isso não quer dizer, no entanto, que a grande transformação da escola será o desenvolvimento de competências digitais. O que deve ocorrer é a construção de um ambiente que favorece a inovação e a abertura ao novo, uma das mais importantes competências para o século 21.

A escola é um espaço ainda muito tradicional e as práticas tendem a se repetir com sucessivas coortes de professores repetindo, no processo de ensino, o que viram seus mestres fazendo, tanto na Educação Básica quanto em sua formação inicial, no Ensino Superior.

Mas o que estes tempos da chamada “4ª Revolução Industrial” mais demandam dos jovens que estão nas escolas é a capacidade de pensar, de fazer análises mais aprofundadas, de resolver colaborativamente e com criatividade problemas não operacionais, ou seja, fazer o que a Inteligência Artificial não consegue fazer em nosso lugar, substituindo postos de trabalho por máquinas. Cada vez faz menos sentido apenas memorizar conceitos ou mesmo a visão de mundo dos professores. Os algoritmos fazem isso com muito mais eficiência que nós. O que a escola precisa fazer é formar humanos capazes de ser pensadores autônomos, não programáveis.

Neste sentido, as novas tecnologias deverão apoiar os professores não apenas para um retorno seguro às aulas presenciais, mas num processo de ensino renovado em que a máquina possa facilitar sua tarefa de chegar a cada aluno no estágio em que se encontra na sua trajetória educacional, recuperar aprendizagens perdidas ou ensinar-lhes novos saberes e, desta forma liberar os mestres para a complexa atividade de ensinar os jovens a pensar.

Mas como se preparar bem para este retorno, quando as autoridades sanitárias avalizarem a volta, e, assim, começar a criar a nova realidade da escola? Há uma série de medidas que já foram adotadas por vários municípios e estados e destacarei aqui algumas.

Em primeiro lugar, muitos fizeram pequenas obras nas escolas, aproveitando a ausência das crianças, para torná-las mais seguras para o retorno às aulas presenciais. É certamente importante tornar as salas mais ventiladas, aumentar o número de pias, rever encanamentos ou a conexão com o sistema de esgoto. Igualmente relevante foi aumentar a conectividade, adquirir equipamentos para alunos ou para uso compartilhado em ambiente escolar, para os que não têm como acessar conteúdos em casa.

Mas não se trata apenas de segurança ou de condições para a aprendizagem remota. Como as perdas de aprendizagem resultantes deste longo período de afastamento das escolas podem se revelar enormes, os currículos terão que ser revistos, priorizando habilidades e conteúdos a serem trabalhados no atual ano letivo, de forma a repor o que não foi bem assimilado ou sequer trabalhado em 2020 e, ao mesmo tempo, avançar no que se pode ensinar em 2021. Esta estratégia deve durar, certamente, mais de um ano letivo.

Além disso, será importante preparar a rede de escolas para o Ensino Híbrido. Para tanto teremos que investir na formação de professores para uma prática que envolverá dar aulas para um grupo na escola, enquanto outros estarão em casa em aprendizagem remota. Uma forma de lidar com isso é transmitir de forma síncrona as aulas presenciais nas plataformas e a outra é diferenciar atividades, no conceito de sala de aula invertida. Neste último caso, o professor faz a curadoria de recursos educacionais digitais para remeter à aprendizagem remota e usa a sala de aula para assegurar aprendizagens, ensinado o aluno a pensar, usando os conhecimentos adquiridos em aulas remotas.

Em todos os casos, a volta às aulas presenciais será desafiadora e teremos que nos preparar para um processo intenso de “aprender fazendo”. São caminhos ainda não trilhados no Brasil, mas poderão nos ajudar a construir uma educação de qualidade, que faça muito mais sentido para o século em que vivemos e para a construção de um país mais inclusivo.

(*) Cláudia Costin é diretora Geral do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (FGV CEIPE). Integra também a Comissão Global sobre o Futuro do Trabalho da Organização internacional do Trabalho (OIT), das Nações Unidas.

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