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Pantanal sempre pediu socorro

Angelo Rabelo (*) | 05/10/2020 15:33
Fumaça encobre região do Pantanal: no chão, fauna e flora sobrem. (Foto: Instituto Homem Pantaneiro)
Fumaça encobre região do Pantanal: no chão, fauna e flora sobrem. (Foto: Instituto Homem Pantaneiro)

Neste momento em que o Pantanal queima em todas as direções, posso afirmar que todos perdemos. Na sua imensidão, o fogo varreu áreas de forma perversa e jamais saberemos as verdadeiras dimensões de perda de biodiversidade. Algumas espécies inclusive ainda não descritas. Vi bandos de queixadas andando à deriva em meio as cinzas, juntos com veados, todos parcialmente queimados. Uma cena que jamais esquecerei...

Uma evidência única do Pantanal é que a sustentabilidade do bioma está interligada ao homem de forma indissolúvel, ou seja, se o homem não está bem, a natureza vai mal. O empobrecimento da gente pantaneira nos últimos 35 anos é um fato incontestável. A despeito do enriquecimento do planalto onde as terras valorizaram 400%, a planície e sua gente sucumbiu ao desastre do Taquari, baixa capacidade competitiva, reforma agrária familiar, êxodo dos empregados, levando inúmeras áreas a ficarem sem gado e sem gente.

“Onde o fogo entrou inicialmente, não havia nem gente nem gado”, o fogo que começou nas margens do Rio Paraguai, queimando mais de 200 km de suas margens até julho, esteve associado ao manejo de roças, mel, acampamentos de pescadores profissionais e desorientados de que as condições climáticas eram desfavoráveis ao uso do fogo, e foi aí que o caos se estabeleceu. O fogo de forma impiedosa e indiscriminada avançou para todos os lados ameaçando a saúde, as propriedades rurais e o turismo.

Falhamos na prevenção

O conforto da busca da culpa não deve fazer bem a ninguém! Tampouco, não é responsabilizar as “áreas protegidas”, como culpadas pela origem do fogo. Possuímos próximo de 4% de áreas legalmente constituídas. As Reservas da Serra do Amolar, local considerado de alta prioridade para proteção da biodiversidade, está enfrentando o fogo agora, em outubro, sendo que não éramos atingidos há mais de 20 anos.

Possuímos um trabalho de prevenção instalados há 15 anos e este ano estivemos trabalhando na prevenção e combate no entorno dos últimos 7 meses.  Para aprimorar, lançamos o projeto “Brigada Alto Pantanal” para atuar preventivamente até a chegada de reforços.

A situação é complicada, estamos há 6 horas da cidade. Sobre o Pantanal, não tenho dúvidas que o gado contribui para diminuir o volume de matéria orgânica, bem como, fazer o manejo técnico responsável do fogo, mas criar cisão entre nossa missão de conservação e a produção não contribui para sairmos deste “inferno”.

A iniciativa positiva do senador Wellington Fagundes do MT e os senadores do MS, Nelson Trad Filho, Simone Tebet e Soraya Thronicke podem nos ajudar. Precisamos de uma norma que una o Pantanal numa política integrada, curando uma fratura exposta desde 1977, quando se dividiu o bioma.

Esta Comissão pode propor a criação de incentivos financeiros para reposição das matrizes restabelecendo a pecuária e sua importância para o bioma. Propor a isenção do ITR para fazendas que adotem a práticas das “Fazendas Pantaneiras Sustentáveis”, modelo esse desenvolvido pela Embrapa Pantanal.

Temos a oportunidade de construir um novo programa de financiamento para o Pantanal, como era o BID/Pantanal, ajudando na infraestrutura das cidades que estão no entorno da planície, fomento à pesquisa, ao turismo. E se queremos ter compromisso efetivo com o futuro do Pantanal, devemos dedicar atenção e ações efetivas as nascentes de todos os rios que drenam para planície. Sem água não haverá vida. TODAS estão com algum grau de comprometimento.

Não posso deixar de registrar que neste momento difícil para todos, a solidariedade oriunda de todos os lugares do país, ajudando com todo tipo de doação e para mim, atuando há mais de 30 anos no Pantanal, é um momento excepcional na nossa história, marcada pela solidão de tudo: de ajuda, de políticas públicas, recursos para pesquisa etc.

Espero que sejamos responsáveis e capazes de não deixar esse voto de confiança e rede de apoio se perder. Às vezes, a espécie humana, opta pela agressividade e falta de respeito, ao invés de se unir e nos tornarmos mais fortes pelo bem comum, principalmente nos momentos mais difíceis. O Pantanal sempre pediu socorro e dessa vez o pedido foi tão alto, que todos escutaram, mas por favor, não deixem de ouvir!

(*) Angelo Rabelo é presidente do Instituto Homem Pantaneiro e coronel da reserva da Polícia Militar, onde atuou na implantação da Polícia Militar Ambiental.

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