Pesquisa sobre islamofobia no Brasil
O Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos e Árabes (Gracias), coordenado por mim desde 2011 no Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP/USP), começa nesta semana a divulgar um questionário aos muçulmanos e muçulmanas que vivem no Brasil, a fim de complementar a pesquisa qualitativa que venho desenvolvendo sobre Narrativas Islamofóbicas no Brasil. Realizado desde 2020 como bolsista produtividade do CNPq, o estudo busca também ampliar e dar suporte a outros pesquisadores, além da própria comunidade muçulmana, para a compreensão do fenômeno.
Para construir esse questionário, contei com a colaboração de alguns pesquisadores do grupo de pesquisa: Isabella Macedo (graduanda em Psicologia/USP, bolsista PUB), pesquisadora sobre islamofobia na internet; Felipe Freitas de Souza (doutorando em Ciências Sociais/Unesp), cujo desenvolvimento de tese centra-se em islamofobia em redes sociais; Camila Motta Paiva (doutoranda em Psicologia/USP), dedicando-se à saúde mental de mulheres muçulmanas revertidas; e Carlos Eduardo Carreira (mestrando em Direito/USP), ao debruçar-se na questão do Islã e de sua jurisprudência.
O Brasil é um dos países com maior diversidade religiosa, mas também com sérios problemas em relação à intolerância religiosa. Nos últimos anos, a crescente onda islamofóbica e de preconceito em relação às pessoas que professam a religião islâmica tem sido praticada, em sua maioria, em relação às mulheres que usam hijab (lenço), tensionando esta convivência. As agressões sofridas podem acontecer em redes sociais, família, escola etc., demarcando o que venho chamando de islamofobia de gênero. Pesquisas realizadas por mim nos últimos 23 anos no Brasil apontam que várias situações denominadas como islamofóbicas, em sua maioria, estão relacionadas ao gênero feminino, mas isso também ganha uma dimensão maior quando se trata de pensar os atentados terroristas, além das diversas migrações forçadas de muçulmanos na última década por consequência de guerras ou por outros motivos que justifiquem a mobilidade. Pergunto se seriam as mulheres muçulmanas o principal alvo de discriminações, principalmente se estas fazem uso do lenço islâmico (hijab ou qualquer outra vestimenta que as identifique como muçulmanas), ou então se configuram outros aspectos dessa rejeição ao Islã e aos muçulmanos, como uso da barba pelo homem, sobrenome de origem árabe, entre outros – tais termos invariavelmente associados a estereótipos de terroristas, radicais e fundamentalistas.
O questionário é voltado para nascidos(as) e revertidos(as) ao Islã, abordando questões abrangentes como faixa etária e escolaridade, mas também questões específicas, que se referem à aceitação das famílias no caso das reversões (conversões à religião), além de aspectos jurídicos, psicológicos e socioantropológicos. Quem deve responder o questionário? Qualquer muçulmano(a) que resida no Brasil, independente de sua nacionalidade.
Após a coleta de dados, que esperamos abranger todas as regiões do Brasil em suas comunidades islâmicas (sunitas e xiitas), vamos nos concentrar na análise de dados. E, posteriormente, construir o primeiro Relatório sobre islamofobia no Brasil que estará disponível a pesquisadores, instituições islâmicas etc. Importante destacar que não há identificação de pessoas nem coleta de dados pessoais, como, por exemplo, números de documentos.
Como pesquisadora de comunidades muçulmanas no Brasil, é a primeira vez que me sinto mobilizada a pensar de forma quantitativa questões que permeiam a comunidade. A crescente onda de intolerância religiosa que venho observando, me levou a ousar na forma de coletar os dados. Por isso, ressalto a importância em constituir um grupo diverso para ajudar a pensar os vários tópicos que abordam o questionário.
Outros países e instituições islâmicas fora do Brasil já construíram relatórios parecidos, não sendo esta uma novidade: a novidade está em constituir um relatório brasileiro em nosso país. Importante dizer que dois dos pesquisadores envolvidos são muçulmanos e sabem o significado da intolerância. Como antropóloga, considero fundamental partir do relatório finalizado para pensar formas de escrever, falar e representar os muçulmanos sem os estereótipos de terroristas, mulheres oprimidas, entre outros. Certamente ele contribuirá para a formação de educadores, psicólogos e juristas sobre como lidar com a diversidade e combater a intolerância religiosa.
Pensando em contribuir na produção de conhecimento no campo islâmico, religioso/psicológico e antropológico, o Gracias está em 2021 preparando um livro sobre os dez anos de sua fundação, com a participação de vários especialistas em Islã, e um curso voltado para jornalistas, psicólogos e áreas afins, além de novas lives pelo canal do YouTube Antropologia e Islam – Gracias, com apoio do Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
Quem quiser contar sua narrativa sobre alguma situação islamofóbica pode escrever para islamofobia.gracias@gmail.com. E, por fim, bastando ser mulçumano(a), responder o questionário. Esperamos que todos os muçulmanos e muçulmanas possam contribuir com a pesquisa e que, juntos, possamos vivenciar um Estado laico onde caibam todas as religiões, religiosos e não religiosos. O respeito à diferença é premissa de uma sociedade plural, democrática e solidária, princípios esses compartilhados com os muçulmanos e muçulmanas que também são brasileiros ou estrangeiros que aqui vivem.
(*) Francirosy Campos Barbosa, antropóloga e professora associada do Departamento de Psicologia da FFCLRP/USP