Prova em vídeo exige redobrados cuidados na área penal
O avanço tecnológico da Era Digital transformou o método de coleta e apresentação de evidências no processo penal, notadamente da prova em vídeo, que se tornou ferramenta essencial na busca pela verdade.
Isso porque a prova em vídeo poderá fornecer um registro direto do evento, permitindo que o julgador visualize o acontecido com riqueza de detalhes. Além disso, poderá causar impacto emocional muito superior às narrativas testemunhais.
Ocorre que a prova em vídeo, espécie do gênero prova documental, enfrenta severos desafios quanto à obrigatória verificação de integridade e idoneidade, uma vez que os vídeos podem ser facilmente editados, adulterados, suprimidos, corrompidos, comprometendo-se sua autenticidade e integridade, e, via de consequência, acarretando sua imprestabilidade como prova.
É justamente pela facilidade técnica na eventual manipulação e adulteração dos vídeos, levando-se à distorção maliciosa da verdade, que o “pacote anticrime” (Lei n° 13.964/2019) regulamentou a cadeia de custódia; estabelecendo, no artigo 158-A do Código de Processo Penal (CPP), que “considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte”.
Por isso, o CPP estabelece diretrizes e critérios para sua admissibilidade, tais como a confirmação da autenticidade, garantindo-se que a fonte de prova é originada de onde se afirmar tê-la extraído; integridade, assegurando a inexistência de alterações (garantia à imutabilidade da prova), mirando-se, em última análise, o respeito aos direitos fundamentais do acusado e investigado.
A observância de práticas fiáveis de coleta, armazenamento, processamento, duplicação, reprodução e análise é essencial para que a prova não seja irremediavelmente contaminada. Conforme assinala Gustavo Badaró, “a documentação da cadeia de custódia é necessária para assegurar o potencial epistêmico das fontes de prova reais, sendo imprescindível à admissibilidade da prova real, no caso específico das provas digitais, trata-se de condição inerente à digital evidence.”
Idealmente, a obtenção da prova em vídeo deveria partir do material original ou de uma cópia perfeita (com código de hash e no mesmo formato do vídeo original). Todavia, é possível que o vídeo seja apresentado em outro formato, com algum grau de compactação, desde que ainda se permita analisar a integridade das imagens. De toda sorte, haverá a necessidade de esclarecimentos técnicos sobre eventuais limitações da aferição da integridade.
Não se pode deixar de lado outros fatores que comprometem a integridade da prova, como a qualidade técnica do vídeo. Tanto a defesa quanto a acusação podem questionar a confiabilidade da evidência se houver dúvidas sobre a qualidade da gravação. Em alguns casos, o magistrado poderá inclusive solicitar o depoimento de especialistas e/ou peritos para validar a autenticidade do vídeo, a tecnologia envolvida na captura das imagens e outros detalhes técnicos relevantes.
A força probante do vídeo deve ser avaliada considerando-se esses fatores, conjugada às demais evidência disponíveis. Em muitos casos, uma combinação de diferentes tipos de provas, como testemunhos, documentos e vídeos, oferece uma visão mais completa e confiável do episódio sob julgamento. O importante é considerar as circunstâncias específicas de cada caso quando se avalia o potencial probatório da prova.
É comum que as pessoas atribuam ao vídeo uma maior credibilidade, pois, em regra, é mais confiável do que a claudicante memória humana. Entretanto, representa um fragmento apenas daquela conduta humana que se pretende reconstruir e, como tal, será interpretada de formas diferentes.
Nesse sentido, a prova em vídeo não possui a força intrinsecamente maior ou menor do que as demais evidências. A sua importância e credibilidade dependem do contexto específico, da comprovação acerca da autenticidade, da nitidez das imagens e de outros fatores relevantes.
Não há dúvidas de que os avanços tecnológicos da Era Digital abriram caminhos para a produção probatória em meio eletrônico, especialmente da prova em vídeo. No entanto, para além da escorreita demonstração de autenticidade e integridade para a admissibilidade desse tipo de evidência, é certo que não deve ser utilizada pelo magistrado como único elemento probante para condenar o indivíduo.
Ora, se para o marketing digital uma imagem vale mais que mil palavras, na seara criminal não é possível dar a ela o protagonismo absoluto para condenar alguém. Afinal, a justiça requer uma avaliação abrangente e equitativa de todas as evidências disponíveis.
(*) André Damiani é especialista em Direito Penal Econômico e LGPD.
(*) Mirella Hanada é advogada