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Resistência contra a violência

Valdenízia Bento Peixoto (*) | 17/05/2022 12:30

“Bixa estranha, louca, preta da favela, quando ela tá passando, todos riem da cara dela”. Esses são os primeiros versos da música Bixa Preta de Linn da Quebrada que revela logo nos segundos iniciais a condição de “sociabilidade” que pessoas LGBTQIA+ “sobrevivem” no Brasil. Importante é perceber que, no decorrer da mesma música, ser bicha, sapatão ou travesti significa mais resistência e orgulho do que um xingamento! Mas, até entender e possuir a consciência para tal resistência há um fosso profundo de violências. O Brasil tem em sua base de formação social e política, o patriarcado. Isso significa que pessoas LGBTQIA+ vivem, historicamente, na condição de opressão e eliminação de seus corpos, sexualidades e comportamentos. Portanto, como ter orgulho e resistir a algo que era (e ainda é) entendido como imoral, criminoso e doentio?

Pecado, crime e doença foi, portanto, a maneira de identificar homossexuais ao longo dos séculos em nosso país. Uma triangulação designada por algumas instituições de poder da sociedade, tais como a Igreja, o Estado e a Medicina. Por séculos a punição dos corpos e dos comportamentos que não correspondessem ao padrão de pureza, civilidade e sanidade foram sucumbindo nesta lógica perversa que, infelizmente, se sustenta até os dias atuais.

Porém, nenhum tipo de opressão e exploração é estabelecida sem cutucar, minimamente, a consciência do oprimido e do explorado na forma de resistência. E assim foi, e assim é! O dia 17 de maio é celebrado como dia internacional de luta contra a homofobia, transfobia e bifobia, e sua importância é exatamente desnaturalizar a violência e possibilitar um amplo diálogo sobre essas questões.

Como já destacado, falar de resistência e combate a violências contra LGBTQIA+ no Brasil é atravessar fronteiras de uma formação sócio-histórica constituídas por valores tão arcaicos quanto perenes. Após séculos de perseguição e condenação, não tem como extinguir através de leis ou parcas políticas sociais uma sólida cultura da homo-lés-trans-hostilização.

A resistência ao orgulho LGBTQIA+ em nosso país, perpassa também a educação das crianças, em possibilitar-lhes a liberdade de usar qualquer cor de roupa, brincar e viver a ludicidade sem aprisionamentos no binarismo dos gêneros. Além disso, no que tange nossas micro relações no ambiente da universidade, é necessário reconhecer a importância das sexualidades dissidentes, respeitar o nome social de pessoas trans, incentivar a fala e a escuta de LGBTQIA+ , assim como assegurar uma experiência acadêmica (para aquelas que conseguem chegar à universidade) minimamente possível com políticas de assistência estudantil específicas.

O combate contra a homotransfobia e bifobia é inclusive uma responsabilidade de pessoas cisheterossexuais, na medida em que os direitos e a promoção das liberdades e diversidades implica a construção de uma nação humanamente possível nas suas idiossincrasias. O combate dessas violências não pode ser reduzido a uma manifestação anual, a uma data específica de celebração no calendário internacional, e sim ser constante e cotidiano.

Portanto, resistir à violência e orgulhar-se de ser LGBTQIA+, neste universo de apagamento das identidades de gênero e orientações sexuais, exige muito mais que o reconhecimento individual. Para que LGBTQIA+ (re)existam, é urgente condições sociais, culturais, econômicas e políticas favoráveis para que todas as identidades circulem com respeito às suas vivências e com liberdade, em qualquer espaço que lhes aprouver.

(*) Valdenízia Bento Peixoto é doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília.

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