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Responsabilidade por demanda opressiva

João Batista Damasceno (*) | 26/10/2020 13:18

‘Demanda opressiva’, ‘ajuizamento de ação judicial para opressão’ ou ‘acionamento opressivo’ é fenômeno pelo qual indivíduos pertencentes a grupo social específico ajuízam simultaneamente ou em pequeno lapso
temporal ações distintas em regiões diversas, fadadas ao insucesso, mas visando causar mal estar em pessoa tratada como desafeto. Nos juizados especiais cíveis o réu deve comparecer pessoalmente para
audiência de conciliação ou de instrução e julgamento, sob pena de revelia.

A revelia produz a veracidade dos fatos imputados ao réu. Por isso a presença pessoal é necessária para evitar sejam os fatos considerados verdadeiros e disso possa resultar condenação. Mas, sendo propostas ações em lugares distintos o réu não pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo ou quando em dias diversos tem que se deslocar por comarcas distintas, numa constante itinerância.

A busca de democratização do acesso ao judiciário, com a instituição dos juizados especiais cíveis, as ações com valor de até 20 salários mínimos podem ser propostas sem a necessidade de advogado. Isto serviu para
favorecer o acesso indevido e os abusos de direito. Dois casos são emblemáticos no Brasil, quais seja, as ações movidas contra a jornalista Elvira Lobato e jornal Folha de S. Paulo e as ações movidas por policiais
militares contra o jornal O DIA e o jornalista Cláudio Humberto.

O Código Civil diz que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem comete ato ilícito. Disto resulta dever de reparação, mesmo que seja apenas dano
moral. Mas, para possibilitar reparação, o dano deve ser causado a pessoa determinada. Considerações gerais a corporações ou grupos sociais não são hábeis a causar dano ao individuo que o compõe. Quem veste a carapuça não se torna destinatário de eventual ofensa e não tem direito à reparação.

Mas, os que promovem ‘demanda opressiva’ podem ser responsabilizados civilmente. Isto porque o abuso de direito é ilícito. O exercício regular de direito é causa de exclusão de ilicitude, até mesmo de fato previsto como crime. Mas, contrariamente, o abuso de direito caracteriza conduta contrária à ordem jurídica e torna certo o dever de indenização pelo dano causado. O mesmo Código Civil que impõe o dever de reparação do dano causado a outrem, portanto pessoa determinada, diz que também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Todos têm direito de ação e os juízes têm o dever de dizer o direito. Ação é poder que tem cada pessoa de exigir de um juiz lhe resolva uma demanda. O direito de ação está previsto na Constituição e nenhuma lei pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Mas, o direito de ação deve ser exercido atendendo-se aos fins a que se destina e à boa-fé que deve ser própria das relações sociais.

Os exemplos citados acima dos jornalistas e dos jornais que foram importunados por ‘demandas opressivas’ há de servir de padrão para todos os que forem atingidos por tais abusos. Em ambos os casos houve decisão determinando a reunião de todas as ações para julgamento por um único juiz. Mas, comprovado o abuso de direito pelos ‘demandistas opressores’, as vítimas de tais condutas ilícitas podem devolver o acionamento e, na própria cidade onde forem residentes, podem demandar todos os abusadores e obriga-los a ir ao seu município para responder pela conduta ilícita na qual tenham incidido utilizando o Poder Judiciário.

A ação judicial é direito indispensável para a garantia dos direitos decorrentes da cidadania. Mas, a facilitação do acesso à justiça não pode servir para os abusos de grupos organizados que pretendam usar a justiça para importunar eventual desafeto. Em se tratando de jornalista ou artista, o que se busca por vezes, é cercear a própria liberdade de comunicação ou expressão.



(*) João Batista Damasceno é professor da Uerj e doutor em Ciência Política

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