Sentimentalismo: um voo sem estabilidade
Para conversarmos sobre sentimentalismo, primeiro, precisamos saber o que são sentimentos. Aristóteles, filósofo do século IV antes de Cristo, escreveu que os sentimentos são movimentos da sensibilidade que levam o ser humano a se aproximar de coisas que considera ou imagina como um bem e se afastar daquelas que representam um mal. Desta forma, resumidamente, temos sentimentos bons e ruins.
Diariamente, somos afetados por situações, circunstâncias e pessoas; algumas geram emoções e sentimentos alegres, de entusiasmo, prazer e gratidão. Já outras resultam em tristeza, medo, angústia, vergonha, ódio, inveja, dentre tantas sensações.
Luiz Fernando Cintra, no livro “O Sentimentalismo”, faz uma analogia da estrutura interior do ser humano com um pássaro cruzando o céu. Ele diz que o que sustenta os pássaros em seus voos são principalmente as asas, mas também a cauda, que tem a função de auxiliar na estabilidade. Cintra fala que a nossa inteligência e a nossa vontade são como as asas, são as nossas potências superiores, da alma. Com a inteligência, podemos conhecer a realidade que nos cerca e refletir sobre todas as circunstâncias da vida. Por meio dela, a humanidade desenvolveu a ciência e a técnica.
Já a vontade, guiada pela inteligência bem formada, possibilita que, após termos conhecido o bem e a verdade, possamos querê-los, desejá-los e praticá-los, evitando, assim, o mal e rejeitando-o. Da educação da vontade, surgem as decisões bem tomadas, a fortaleza e a constância para perseguir nosso propósito, e a temperança para controlar nosso instintos, paixões e prazeres.
Pois bem: se, para voar, os pássaros precisam das asas para sustentarem o voo e da cauda para estabilidade, podemos concluir, por meio desta analogia que nossos sentimentos e/ou afetos seriam a cauda. Para se ter um voo satisfatório e bem sucedido, necessitamos da estabilidade dos sentimentos, chamados de “potências inferiores”. Dessa forma, entende-se que uma pessoa bem constituída tem suas potências superiores (inteligência e vontade) e potências inferiores (emoções, sentimentos, paixões e prazeres) equilibrados e ordenados.
A inteligência e a vontade podem atuar positivamente sobre os sentimentos. A primeira tem função de indicar e orientar a direção a seguir; a segunda é um motor que impulsiona para persistir nessa direção. Quando isso não acontece, surge o sentimentalismo.
O indivíduo movido apenas pelos seus sentimentos virará um sentimentalista. São pessoas que só pensam em si mesmas: “eu fiz”, “eu pensei”, “eu que falei”, “isso me ofendeu”, “olha que absurdo o que essa pessoa fez para mim”. Supervalorizam as reações pessoais e desprezam os sentimentos alheios: “nem foi tão grave o que eu fiz”, “não entendi por que ele não gostou do que falei”, “acho que ele está exagerando”.
Em resumo, são individualistas e tendem a chocar-se facilmente com familiares, nas reuniões de trabalho, nas discussões políticas e nos encontros com amigos, em decorrência das suas opiniões e ideias baseadas em impulsos e sentimentos desordenados.
Entre tantas características do sentimentalista, está a volubilidade, que é a instabilidade dos afetos, semelhante a um ecocardiograma em arritmia, com poucos momentos de estabilidade. Ele oscila entre a alegria e a disposição e a tristeza e o desânimo. Também é movido pelo prazer, pelo gosto e foge do que o incomoda com frequência. É um fugitivo da realidade. Prefere viajar e, se possível, viver no mundo da imaginação e dos sonhos. Idealiza uma família perfeita sem sacrifício, um trabalho de sucesso sem esforço e estudo constante. Quer conquistar coisas com o mínimo de esforço possível.
É impulsivo, age frequentemente sem pensar e refletir, resultando em reações imediatas e apaixonadas, que posteriormente podem gerar remorso: “por que fiz isso?”, “nossa, acho que falei demais”, “deveria ter pensado antes!”, “por que eu não esperei?”. Entre tantos outros adjetivos do sentimentalista, está a fragilidade de caráter: trata os problemas da vida como um desastre, uma catástrofe: “isso só acontece comigo”, “Lei de Murphy”, “eu sabia que não ia dar certo”, “está tudo acabado”.
A instabilidade do sentimentalista está enraizada na sua falta de valores, critérios e crenças na verdade e, consequentemente, na falta de virtudes. Ele está sempre antenado nas tendências midiáticas. Por vezes, nem gosta muito do que viu, ouviu e sentiu, “mas já que estão todos fazendo, falando e usando, farei também”. Com isso, tende a se manter na superficialidade, fugindo das ideias de fundo, que exigem análise, reflexão, concentração e conhecimento. Dificilmente desfrutará do autoconhecimento e do reconhecimento dos seus defeitos e inclinações, pois gosta de nadar em águas mansas.
Para ele, viver assuntos profundos é enfrentar todos os tipos de marés e navegações, ou seja, enfrentar a instabilidade externa, além da própria. Por fim, cai na passividade, sempre esperando respostas dos outros, terceirizando decisões e ações e, ainda, culpando os demais por seus erros.
Então, como não cair nas armadilhas do sentimentalismo? O melhor e maior remédio de todos é o amor. O amor que transcende. Coríntios (1 Cor, 13, 4-8) nos lembra que “o amor é paciente, não inveja, não é temerário, não é arrogante, não busca seus próprios interesses, não se irrita e não guarda rancor. Tudo desculpa, tudo espera e tudo sofre”.
Viktor Frankl, médico neurologista e psiquiatra judeu, que foi preso pelos nazistas, juntamente com toda a sua família, e passou por quatro campos de concentração, em uma das tantas entrevistas e congressos de que participou, quando questionado sobre como aguentou tudo pelo que passou e ainda dedicou uma vida a ajudar e curar pessoas que padecem, respondeu: “Ao invés de perguntarmos: ‘o que eu quero da vida?’, pergunte-se: ‘o que a vida quer de mim?’”. Complemento: qual é a minha vocação? Qual é o meu propósito? Como estou administrando os dons que Deus me deu? Vamos pensar?
(*) Talita Martins é pedagoga e mestre pela UFMS em Saúde e Desenvolvimento. É diretora da Escola Harmonia.