TEMPOS DE MENINICE
No Paraguai, quando eu nasci, aos 5 anos uma criança já ia à escola. Assim, quando minha família se mudou para Campo Grande, eu, aos 7 anos, já era alfabetizado. Fui matriculado no Externato São José, onde concluí o curso primário.
A diretora e professora Simpliciana Corrêa era muito disciplinadora. Durona mesmo. Dava um cascudo tão forte que doia até o calcanhar. Eu fui uma das vítimas desses famosos cascudos. Me lembro também da professora Circe, sobrinha da diretora, bonita, solteira e alvo de muitos anseios oníricos da molecada. Uma beldade de catálogo.
Quando eu estava no quarto ano, aconteceu um episódio interessante. Tínhamos uma colega muito bonita que morava na rua Calógeras, Marlene. A casa dela dava fundo para a estrada de ferro. Assim, quando chegava da escola, ela trocava de roupa com a janela aberta, pois do outro lado não tinha movimento. Não sei bem como, mas alguns meninos descobriram isso e passaram a organizar uma caravana, que ia todos os dias assistir nossa colega trocar de roupa. Sem que ela percebesse, claro. Um dia, me convidaram também, e lá fui eu. Pois justo nesse dia, ela se virou para a janela e flagrou aquela turminha toda de olho nela. Quando nós percebemos que ela nos tinha visto, foi uma debandada geral e um pavor coletivo.
No dia seguinte, estávamos todos com o coração na mão, na expectativa do que poderia acontecer. As aulas transcorreram normalmente. Na hora do recreio, trocamos impressões, sentindo um alívio geral, achando que tudo ficaria por isso mesmo. Mas na última aula, a diretora da escola entrou na sala e chamou a Marlene à frente, pedindo para ela indicar quem eram os meninos que a espionavam trocando de roupa. Ela foi entregando um por um. Olhou para mim – nós tínhamos uma simpatia mútua – e continuou, sem mencionar o meu nome. Quando todos já estavam identificados, um dos colegas me denunciou: “O Heitor também estava!” Tive que me juntar ao grupo. Dona Simpliciana nos passou uma carraspana daquelas, e nos deu um belo castigo, e tivemos que escrever mil vezes: “Nunca mais vou espionar minha colega”. E a frase tinha que ser escrita com letra bonita, começando naquele momento. A aula terminava sempre às 11:30, mas tivermos que ficar até as 15:30 nessa tarefa, e sem sair da sala. A escola avisou nossos pais que estávamos cumprindo um castigo, mas não disse o motivo.
Quando fui para casa, já ia preparando o lombo, porque meu pai não alisava mesmo, e eu ia imaginando o que me esperava. Quando cheguei, ele me perguntou o que tinha acontecido, e eu contei. Para minha grande surpresa, meu pai me abraçou e me cumprimentou dizendo: “Muito bem, meu filho, homem tem que ser assim mesmo.” Ufa. Esse foi um dos grandes alívios da minha vida.
Nessa escola, tínhamos também uma professora de catecismo do Apostolado do Coração de Jesus, a professora Ângela, que procurava nos incutir um medo terrível do pecado e do inferno. Foi ela quem fez a nossa preparação para a primeira comunhão, que aconteceu na Igreja Santo Antônio. Ela espalhou um verdadeiro pavor em todos nós, pois dizia que a hóstia consagrada não podia ficar grudada no céu da boca. Se isso acontecesse, era sinal de que não havíamos confessado todos os nossos pecados e ficaríamos sujeitos a uma penitência maior. Eu demorei alguns anos para me libertar desse pavor.
Outras histórias virão, pois nossa infância, assim como a de várias famílias, foi muito rica e sempre me vêm à lembrança muito boas memórias daqueles tempos.
Heitor Rodrigues Freire (*) – Corretor de imóveis e advogado.