Todos os dias deveriam ser Natal
O Natal é sempre uma data feliz e muito especial, onde se comemora o nascimento de Jesus Cristo. A época do Natal sempre esteve associada à generosidade, ao amor, à esperança e ao sentimento fraterno. Jesus nasceu em uma família judia que era pobre e não possuía prestígio junto às classes superiores e dominantes. Nascido pobre e tendo aprendido sobre partilha, igualdade e vivendo em comunidade com seus semelhantes, rebelou-se e promoveu um levante religioso contra a ordem estabelecida e contra a tirania e tradições. Jesus, portanto, foi um rebelde e libertário. Lembrá-lo no Natal e celebrar seu nascimento é pertinente e necessário.
Nesses 2.023 anos, provavelmente a cada dia do ano, nasceram em diferentes partes do planeta homens e mulheres que, da mesma forma que Jesus, foram rebeldes e libertários. Entre eles e elas, religiosos, pacifistas, humanistas, estadistas, comunicadores, filósofos, cientistas, educadores, sonhadores, utopistas, pensadores, etc. Poderíamos elencar milhares de nomes que, usando sua linguagem e ferramentas, tanto pregaram e fizeram para termos uma sociedade humana muito melhor do que a que temos agora, com guerras, violências, desigualdades, corrupção, demagogia, destruição dos recursos do planeta, poluição atmosférica e de recursos hídricos, mudanças climáticas, etc.
Decidi falar um pouco de um grande humanista brasileiro, que tive o privilégio de conhecer. Seu nome é Herbert José de Souza, o Betinho. Ele nasceu em 3 de novembro de 1935. Para ser coerente com o título do artigo, proponho que o dia da data de nascimento de Betinho seja Natal. Ele foi um sociólogo que, durante o governo de João Goulart, assessorou o MEC e defendeu as reformas de base, sobretudo a reforma agrária. Ajudou a formar a Ação Popular (AP), um movimento que visava à fundação do socialismo no Brasil. Após o golpe militar de 1964, exerceu grande luta contra a ditadura, atuando em organizações para combater o regime político implantado, motivo pelo qual foi exilado, indo morar em vários países, como Chile, Canadá e México. Somente em 1979 pôde retornar ao Brasil.
Um de seus principais projetos foi a criação do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), de caráter governamental, que tem como finalidade analisar as realidades sociais, econômicas e políticas do país. Em 1993, fundou a Ação da Cidadania, programa de luta pela vida e contra a miséria, combatendo a fome e o desemprego através da democratização da terra e conhecida popularmente como Campanha contra a Fome. Betinho mobilizou a sociedade brasileira para enfrentar a pobreza e as desigualdades. Mesmo com problemas de saúde, o sociólogo jamais deixou de exercer sua cidadania, apontada para os interesses da população carente.
Sua luta incansável caminhava rumo aos direitos humanos e ideais de solidariedade, a fim de tornar a sociedade mais justa. Betinho sonhou e lutou para termos um Brasil sem fome, sem injustiças sociais. Betinho, como Jesus, foi um brasileiro rebelde e libertário. Que o dia 3 de novembro seja Natal. Propostas de outras datas encontram-se abertas. Feliz Natal, todos os dias do ano.
(*) Isaac Roitman é doutor em Microbiologia, professor emérito da Universidade de Brasília e membro titular de Academia Brasileira de Ciências.