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Um exemplo de perseverança

Humberto Felipe da Silva (*) | 06/06/2023 08:25

Resolvemos, como uma das atividades do Projeto Egressos da Escola de Engenharia de Lorena, escrever sobre egressos da escola que se destacam ou se destacaram na vida profissional.

Rapaz, como é difícil esta tarefa, escolher entre tantos, aquele que iria inaugurar esta tarefa a que me impus e que me dispensa tanto prazer. Esta história, como a maioria das histórias, começa com um “era uma vez”.

Era uma vez, há não muito tempo, um garoto de parcos recursos, mas de olhar atento e perscrutador, de mente irrequieta e sonhador. O petiz conversa com sua mãe em busca de apoio para se tornar um grande homem.

Ele sabia que por trás daquela mulher de fibra e têmpera, a dona Dercyra, repousava um coração imenso capaz de abrigar seus próprios sonhos e acalentar os sonhos dos nove filhos. E quem resiste a um pedido destes, ainda mais do caçulinha, a raspa do tacho. “Mãe, eu queria tanto entrar na Guarda Mirim de Lorena”.

A Guarda Mirim era uma iniciativa da Prefeitura Municipal de Lorena que tinha como missão contribuir com a inclusão social, favorecer a geração de emprego e renda, agir na prevenção e diminuição da violência, bem como proporcionar condições mais favoráveis para a formação e qualificação de adolescentes. Aquele menino, iluminado pela inquietude de quem precisa realizar o sonho, com o apoio de sua genitora, ingressa na Guarda Mirim.

Mas o destino tem uma caneta que ziguezagueia na direção certa para aqueles que tem força de vontade ferrenha e o desejo de ser arraigado em suas entranhas. Não é que o menino foi encaminhado para uma vaga na Faenquil. Para quem não conhece, a Faenquil era a Faculdade de Engenharia Química de Lorena, hoje Escola de Engenharia de Lorena, uma unidade da USP.

Imagino o que representou para aquele guri adentrar os portais da Faenquil, cheia de doutores imponentes e alunos brilhantes. Um mundo à parte na pobre cidade de Lorena, encravada no Vale do Paraíba. Um ambiente de efervescência, desafios, aspirações. Ali, começava a se moldar na forja da vida um dos mais brilhantes e interessantes professores que conheço.

Estou falando de um amigo, o professor Valdeir Arantes. No começo deste texto comentei sobre a tarefa difícil de escolher, entre tantos egressos brilhantes, aquele que mereceria ser o primeiro desta série, que retratará egressos de sucesso de nossa escola. Quando a escolha recaiu sobre o Valdeir, pensei comigo: tarefa dificílima, tentar traduzir em poucas palavras o perfil deste homem. Mas, ao prosear comigo mesmo, assenti que não é tão difícil falar de um amigo.

Não me lembro bem como conheci o professor Arantes. Sei apenas que sempre que começamos a conversar tem assunto para mais de metro. Sobre o assunto, acho que você sabe bem qual é! Só podia ser sobre nossos alunos e sua formação, assunto que o apaixonado se deleita ao conversar.

Voltando ao Valdeir, se a Guarda Mirim foi o despertar na trilha, o segundo emprego foi a bigorna em que seu desejo foi malhado. Foi na Flora Paraíba, vinculada à Faenquil, que o sonho de uma carreira relacionada à produção de produtos e materiais a partir de matéria-prima renovável se solidificou. Concluído o ensino médio na escola pública E.E. Prof. Climério Galvão Cesar, em Lorena, só havia um destino, o curso de Engenharia Industrial Química, na atual Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo. Curso no qual impressionou seus professores pela dedicação e empenho.

Foi ali que conheceu sua mentora, a professora Adriane Ferreira Milagres, com quem iniciou, sob sua orientação, o mestrado em Biotecnologia Industrial. Entretanto, a mente irrequieta não se contentava em ser mestre, queira queimar etapas, correr a maratona, que o tempo flui. Com o auxílio da orientadora, teve um projeto aprovado na Fapesp, em 2004, e migrou para o doutorado direto. Foi a alavanca que precisava para embarcar no foguete rumo ao sucesso. “Esse menino parece ter bicho-carpinteiro, dona Dercyra”.

Pois não é que o garoto conquistou um estágio nos laboratórios do professor Barry Goodell, da University of Maine. Já doutor, vai para Vancouver realizar o pós-doutorado na British Columbia, no grupo do professor Saddler.

Mas como não se escolhe oportunidades, se agarra com unhas e dentes, não perdeu tempo quando se abriu uma nova janela. Torna-se professor da sua alma mater. Retorna a Lorena, agora como professor da USP, concursado e tudo.

Pois é, dona Dercyra, esse menino vai longe. Esse histórico de pesquisa com trabalhos da mais alta relevância, fruto de uma teimosia indescritível, eivada de obstinação, só poderia ter um fruto, figurar entre os dois por cento dos pesquisadores mais influentes do mundo, elaborada pela revista Plos Biology, entre mais de 100 mil pesquisadores, é mole?

“Compromisso e lealdade à ciência, entusiasmo ilimitado e paixão por fazer descobertas no campo da nanobiotecnologia são as marcas de sua carreira de pesquisador”, observa, com razão, a professora Milagres. O que mais chama atenção no Valdeir é seu comprometimento com a formação de novos engenheiros e sua dedicação em ajudar a desenvolver o potencial de cada aluno.

Ele é um exemplo de professor que não apenas transmite conhecimento, mas que inspira seus alunos a se tornarem profissionais comprometidos e responsáveis. Sua contribuição para a formação de engenheiros capacitados e conscientes de sua responsabilidade social é inestimável, e sua presença na comunidade acadêmica é sentida através das muitas pessoas que foram e continuam a ser influenciadas por seus ensinamentos e exemplos.

(*) Humberto Felipe da Silva é professor da Escola de Engenharia de Lorena (EEL) da USP.

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