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Um megaplantio com os riscos do atraso

Marcos Fava Neves (*) | 28/10/2020 13:03

Nosso resumo mensal traz os eventos principais de setembro e o que observar em outubro. Na economia mundial e brasileira… a OCDE aponta que a economia deve se recuperar mais rápido do que era esperado. A Organização melhorou a estimativa sobre a economia global, a qual deve retrair 4,5% em 2020 (antes projetada em -6%) e crescer 5% no próximo ano. A China deve ser o único país do G20 a crescer neste ano, com alta de 1,8%, enquanto que os EUA devem ter queda de 3,8%.

A economia brasileira segue dando sinais de melhora, mesmo ainda em ritmo lento. O relatório Focus (Bacen) de 3 de outubro projeta redução do PIB em 5,02% em 2020, e crescimento de 3,5% para o ano seguinte. O IPCA deve fechar o ano em 2,23% e alcançar 3,02% em 2021. A Selic, por sua vez, deve ser de 2% e 2,5%, respectivamente. Finalmente, o dólar deve se manter em R$ 5,25 em dezembro deste ano e encerrar 2021 em R$ 5,00. O terceiro trimestre de 2020 se iniciou em ritmo de retomada da economia brasileira, é o que apontam os dados setoriais do IBGE. A FGV estima que o crescimento econômico de julho foi de 2,8% frente ao mês anterior, o qual já havia apresentado alta de 3,9%. Tal cenário está motivando recontratações no setor industrial.

Durante a pandemia, muitas empresas das cadeias do agronegócio foram forçadas a redirecionar suas vendas do food service para o varejo, visto que o primeiro apresentou queda de até 80% na demanda. Essa mudança de canal gerou reduções nas margens de muitas organizações, com incrementos de custos nas embalagens, logística e espaço nas gôndolas.

Muitos destaques para sustentabilidade neste mês: a Unilever anunciou que deve eliminar o uso de derivados de petróleo como fonte de matéria-prima em diversos produtos da companhia, investindo cerca de 1 bilhão de dólares no projeto. A iniciativa reforça a ideia da economia circular, que vem ganhando grande espaço no mercado financeiro.

A B3 está em processo de atualização de seus índices de carbono e desenvolvimento sustentável, de modo a torná-los mais atrativos aos investidores. Há a expectativa do lançamento de um índice ESG com empresas listadas no mercado de capitais brasileiro, englobando aquelas elegíveis aos novos critérios ambientais, sociais e de governança. O ESG (environment, social and governance) entrou com tudo na agenda das organizações em suas ações de sustentabilidade. Segundo Pavan Sukhdev, presidente global da WWF, as movimentações do mercado financeiro para economia verde estão crescendo exponencialmente e podemos esperar um tsunami de investimentos ESG. O executivo reconhece as iniciativas de organizações do Brasil e comenta que não há outro país com tanto capital natural como o nosso. Segundo ele, existem muitas oportunidades para cobranças por serviços de compensação de carbono no País.

A exemplo disso, de acordo com o Valor Econômico, as emissões de títulos verdes da Zurich no Brasil chegaram a R$ 62 milhões em julho de 2020, 36% do total (R$ 170 milhões) previsto pela empresa para os próximos dois anos. O valor foi investido em projetos de geração e transmissão de energia renovável e de saneamento básico. A concessionária de energia EDP, por sua vez, passou a utilizar as cinzas produzidas pela termelétrica Pecém para produzir um tipo de cimento usado na pavimentação de estradas. A empresa tem planos de gerar 100% da energia que consome via fontes renováveis, em 10 anos.

Um programa criado pelo governo brasileiro e que envolve 20 países, a Plataforma para o Biofuturo, foi lançado recentemente com a intenção de promover estudos e replicar experiências sobre os projetos de transição energética. A iniciativa tem a intenção de fortalecer pautas de bioenergia, estimulando programas de sustentabilidade e a cooperação entre esses países. De acordo com o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE), o Brasil deve aumentar sua demanda energética em 2,9% ao ano até 2029, com 380 milhões de toneladas equivalentes de petróleo. A participação das fontes renováveis poderia chegar a 48% desse total.

A peste suína africana chegou ao maior produtor europeu de carne de porco. Os alemães identificaram um caso da doença no leste do país, e já começam a sofrer as consequências de embargos internacionais. Coreia do Sul, China e o próprio Brasil já suspenderam a entrada da carne alemã, como medida preventiva.

Na Argentina, a produção de soja no ciclo 2020/21 está estimada em 50 milhões de toneladas, segundo a bolsa de Rosário. A área de produção deve crescer 0,6% chegando a 17,3 milhões de hectares. Já para os Estados Unidos, o USDA, em seu relatório de setembro, reduziu as estimativas de produção de soja e milho da safra 2020/21, as quais devem atingir 117,4 milhões e 378,5 milhões de toneladas, respectivamente. A diminuição é devido ao agravamento da seca com déficits de chuvas nas regiões Oeste, Meio-Oeste e Nordeste. O USDA estima nossa produção de milho em 110 milhões de toneladas e de soja em 133 milhões da safra que está começando a ser plantada.

Em seu último levantamento para a safra 2019/20, a Conab reforçou a estimativa de safra recorde de grãos, agora em 257,8 milhões de toneladas, 4,5% a mais que no ciclo passado. A área plantada aumentou 4,2%, enquanto que a produtividade, 0,3%. Ainda restam as culturas de inverno para confirmação desses dados. A safra de algodão também deve ser recorde, produzindo 2,93 milhões de toneladas de pluma (+4,2%) e com 90% da área já colhida. A colheita da soja já terminou, com 124,8 milhões de toneladas produzidas (+4,3%), enquanto que o milho aguarda a segunda e terceira safras, mas deve totalizar 102,5 milhões de toneladas (+2,5%). Nas culturas de inverno houve incremento de área plantada em 11,6%, com grandes expectativas para produção de trigo com 6,8 milhões de toneladas.

Atualizações do MAPA apontam que o VBP da agropecuária para 2020 passou a ser calculado em R$ 771,4 bilhões, 10,1% superior ao ano passado e R$ 29 bilhões a mais que a estimativa de julho. Em comparação ao ano anterior, os destaques ficaram com a soja, que passou a R$ 194,2 bilhões (26,1% maior), com os bovinos com R$ 110,9 bilhões (12,3% maior), com o frango que passou a R$ 67,2 bilhões (8,3% maior) e com a carne suína que foi a R$ 21,9 bilhões (10,4% superior). No total, as cinco cadeias da pecuária tiveram incremento de R$ 3,8 bilhões em comparação a julho, alcançando R$ 252,3 bilhões, e as 21 principais lavouras foram elevadas em R$ 25,2 bilhões, totalizando R$ 519,1 bilhões.

Com vistas à safra 2020/21, o Rabobank estimou a produção de soja brasileira em 130,1 milhões de toneladas em uma área de 37,9 milhões de hectares. O câmbio e as boas margens da cultura são os grandes motivadores desse aumento.

Enquanto isso, no cinturão citrícola, a safra de laranja 2020/21, estimada pelo Fundecitrus, deve ser de apenas 287 milhões de caixas, 25,87% a menos que no ciclo anterior. O resultado foi agravado pelo período de estiagem prolongado (julho a setembro), que reduziu o tamanho dos frutos e favoreceu a incidência de doenças.

As vendas externas do agronegócio totalizaram US$ 8,91 bilhões em agosto, aumento de 7,8% frente ao mesmo mês de 2019, segundo dados do MAPA. 50,2% de tudo que o Brasil exportou no mês veio do agro. Dentre os setores com maior contribuição nesse resultado destacamos: complexo soja com vendas de US$ 2,77 bilhões (+19,9%); carne bovina com recorde de US$ 753 milhões (+14,4%), suína também com recorde de US$ 196,09 milhões (+79,7%), e de frango com US$ 491 milhões (-17,2%); cereais, farinhas e preparações com US$ 1,14 bilhão (-12,2%); complexo sucroenergético com US$ 1,10 bilhão (+75,6%); e produtos florestais somando US$ 891 milhões (-13%). Por outro lado, as importações do agro atingiram US$ 912 milhões (-17,3%), gerando um superávit em sua balança de US$ 8 bilhões (+11,7%).

Levando em consideração o acumulado de janeiro a agosto, o agro já exportou US$ 69,63 bilhões (50,3% de tudo que o País exportou), 8,3% a mais frente ao mesmo horizonte de 2019, consolidando saldo positivo em sua balança de US$ 61,50 bilhões. Dentre outros produtos que vêm se destacando na pauta de exportações (acumulado de janeiro-agosto) estão o café, com vendas de 26,4 milhões de sacas e US$ 3,4 bilhões (-0,8%); carne bovina com 1,3 milhão de toneladas e US$ 5,46 bilhões (+23,3%); e carne suína com 678,3 mil toneladas e US$ 1,49 bilhão (+54,5%).

Um levantamento realizado pelo Sindiveg revelou que, no acumulado de janeiro a julho, a área tratada com defensivos atingiu 64,3 milhões de hectares, o que representa um crescimento de 6% frente ao mesmo período de 2019. As culturas que tiveram o maior crescimento na utilização foram: soja com incremento de 33%, milho com 22% e algodão com 18%. Em termos de receita, o resultado do primeiro semestre foi de US$ 6,04 bilhões, ligeiro aumento frente aos US$ 6,03 bilhões de 2019. Cerca de 45 entidades do agro assinaram um manifesto para renovação dos convênios que reduzem a base de cálculo sobre insumos agrícolas e operações com implementos agrícolas. A não renovação poderá gerar impacto direto estimado em R$ 16 bilhões e aumento da inflação em 9,5%.

A BrasilAgro registrou lucro líquido de R$ 119,5 milhões no ciclo 2019/20, 32% a menos que no anterior, apesar de a receita líquida ter aumentado 4%, atingindo R$ 599,1 milhões. No entanto, as expectativas da empresa para o ciclo 2020/21 são positivas, com novos investimentos em conversão de áreas, intensificação da produção e aposta no milho safrinha. O grupo conta, hoje, com 11 propriedades e soma 215,3 mil hectares.

Estimativas apontam que o potencial de geração de biogás no Brasil é estimado em 82 milhões de metros cúbicos por dia, um total de 115 mil GWh ano. O setor sucroenergético seria o responsável por 68% desse total, o aproveitamento de resíduos industriais, 24,4%, e a reutilização de lixo urbano, outros 7,6%. Mais uma oportunidade que se abre.

Iniciativas de economia circular trazem expressiva redução dos custos de produção das empresas. Segundo a Exame, a CMPC (fabricante de celulose) tem reduzido em 50% seus custos de produção, a partir da reutilização de 99,8% dos resíduos gerados pela fábrica na produção de outros 15 novos produtos. Uma outra prática interessante é a pirólise do plástico, que está sendo conduzida pela Braskem, processo que retorna o plástico velho a sua forma original, utilizando matérias-primas renováveis à base de cana-de-açúcar. A reutilização do material é algo essencial para evitar que ele seja descartado no meio ambiente.

Visando a contornar as dificuldades impostas pelo isolamento social, produtores e cooperativas investiram em novos canais de comercialização, por meio das redes sociais, vendas on-line e delivery. São os locais que os setores de floricultura e hortifrúti vêm trabalhando, de modo a reduzir os prejuízos do início da pandemia com o cancelamento de eventos, feiras ao ar livre e restrições ao food service. As linhas especiais de crédito e prorrogação das amortizações também foram essenciais para manutenção das atividades de produção.

Variedades de trigo desenvolvidas pela parceria Embrapa e iniciativa privada apresentaram ótimos resultados para produção no Ceará. A primeira colheita do cereal foi realizada com 75 dias, muito inferior à média de 140 a 180 dias em outras regiões produtoras. Além disso, a produtividade chegou a 5,4 toneladas por hectare, pouco inferior à da Região Centro-Oeste (5,5 tons/ha), mas mais que o dobro da Região Sul (2,4 tons/ha). Atualmente, o Nordeste importa quase todo o trigo que consome.

Terminamos setembro com preços absolutamente altos em reais para os grãos. No fechamento desta coluna, para entregar em cooperativa de São Paulo, a soja estava em 145 reais/saca e da safra 2020/21 já sendo negociada a R$ 135. No caso do milho, 60 reais/saca e para entregas em agosto de 2021, 50 reais/saca. A arroba era negociada a quase R$ 260.

Temos agora que plantar o que será a maior safra da história do Brasil, a maior área (acredito em 70 milhões de hectares), mas o clima não está ajudando neste início, retardando os plantios. Muito trabalho pela frente. O que observar agora?

Os cinco fatos do agro para acompanhar em outubro são:

  • As chuvas no Brasil e as expectativas de plantio. Previsões do clima para a safra 2020/21 de grãos;
  • O fechamento da safra nos EUA, performance da colheita e comportamento do clima neste mês final;
  • O comportamento da China nas importações de carnes e grãos e de outros países asiáticos principalmente, e os preços dos grãos no mercado interno com seus impactos no setor de carnes e ovos;
  • As dificuldades de acertos na política econômica brasileira e seus impactos no câmbio. Como esta anda derrapando em mostrar o caminho e a ação estratégica, errei já minha previsão de câmbio feita no primeiro semestre, que viria abaixo de 1 US$ = R$ 5. Não creio que se valoriza a esse ponto mais neste ano;
  • Os resultados das ações do governo na questão do desmatamento ilegal e impactos nas pressões contra o Brasil.

 Este texto contou com o apoio de Vitor Nardini Marques e Vinicius Cambaúva.


(*) Marcos Fava Neves é professor titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP)

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