Um século de história
Quando participamos e nos envolvemos com as atividades comunitárias, às vezes a passagem do tempo se faz de forma imperceptível. De repente somos surpreendidos com fatos históricos, de cuja ação não nos demos conta.
É o que aconteceu com o Colégio Osvaldo Cruz. Ao fazer a prospecção para restauração e recuperação do prédio original, a arquiteta Perla Larsen, especialista nessa área, contratada pela Associação Beneficente Santa Casa, proprietária do imóvel, fez também uma pesquisa sobre a história do Colégio, descobrindo quando o prédio foi construído e como veio a se tornar parte importante e influente na história da nossa cidade: tudo começou há cem anos.
O prédio do Colégio Osvaldo Cruz teve sua edificação iniciada em 1916 e foi concluído em 1918. Destinado inicialmente para atividades comerciais, era apenas um armazém de secos e molhados da firma Carmelo & Interlando, de propriedade dos irmãos Moliterno. Contrataram Francesco Cetraro, vindo da Itália para executar a fachada da edificação. Contou também com Adolfo Carlos Stefano Tognini, construtor, pai de Alexandre Tognini (que aos 11 anos começou aí sua vitoriosa carreira de mestre de obras). “Tutti oriundi”.
A influência da colônia italiana em nossa cidade é notável. Alexandre Tognini, pai dos médicos Gil Tognini e Edson Tognini e irmão de Nadir e Oswaldo Tognini, estes comerciantes que marcaram também sua participação na Maçonaria. Nadir e Oswaldo foram Grão Mestres da Grande Loja Maçônica de Mato Grosso (hoje de Mato Grosso do Sul).
Voltando ao armazém de secos e molhados, funcionou assim até o ano de 1927, quando Henrique Corrêa, em março daquele ano, fundou o Ginásio Osvaldo Cruz. Em 1933, o Ginásio passou a pertencer ao Sindicato dos Professores do Curso Secundário, sendo adquirido pelo professor Enzo Ciantelli, em 1934.
Em 1940, o Ginásio foi comprado pelos jovens advogados José Manoel Fontanillas Fragelli e Wilson Barbosa Martins, políticos históricos em nosso estado. Fragelli foi deputado constituinte em 1947, governador de Mato Grosso, de 1970 a 1974, depois senador por Mato Grosso do Sul, presidente do Senado Federal, chegando a ocupar interinamente a presidência da República; Wilson foi prefeito de Campo Grande, deputado federal (cassado pela ditadura militar), governador de Mato Grosso do Sul por dois mandatos e também senador da República.
Em 1942, o advogado Luiz Alexandre de Oliveira adquiriu o Ginásio. Em 1949 o local foi autorizado por decreto federal a funcionar como colégio. Luiz Alexandre foi um ícone em nossa cidade. Negro, filho de lavadeira, cego de um olho e com grande deficiência no outro olho, fez da sua vida um exemplo de superação. Lutando com todas as dificuldades, sustentado pela mãe, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde passou no vestibular para a Faculdade Nacional de Direito.
Formado, voltou a Campo Grande, começando a advogar e a construir uma sólida carreira no direito. Constituiu um patrimônio respeitável. Solteiro e sem herdeiros, destinou todo o seu patrimônio a entidades beneficentes e de caridade. Destinou à Associação Beneficente Santa Casa de Campo Grande (da qual era associado) o imóvel onde funcionava o Colégio Osvaldo Cruz. O seu escritório na avenida Calógeras foi doado para a Federação Espírita de Mato Grosso do Sul. Um terreno com mais de 5 mil metros quadrados, adjacente ao Colégio Osvaldo Cruz, foi doado, ainda em vida, para a Loja Maçônica Oriente Maracajú (primeira Loja Maçônica de Campo Grande), da qual Luiz Alexandre era obreiro.
Em 2005, o então prefeito de Campo Grande, Nelson Trad Filho, ilegalmente interveio na Santa Casa, e, mandou também invadir o Colégio só porque era de propriedade da Associação Beneficente. O hospital foi devolvido por decisão judicial em 2013. A posse do Colégio só foi recuperada também na Justiça, em 2015. Na sentença judicial da retomada do imóvel, foi determinado o ressarcimento dos prejuízos causados pela posse ilegal do Colégio, no montante de R$ 4,28 milhões referente a alugueres, reparação de danos e lucros cessantes, valor que está sendo aplicado na recuperação do imóvel. Essa indenização a rigor deveria ser paga pelo então prefeito, do seu próprio bolso por sua ação manifestamente ilegal. No entanto, todos nós estamos pagando, pois quem está arcando com a indenização é a prefeitura de Campo Grande.
Hoje, o prédio está sendo restaurado e reformado para sediar a Escola de Saúde da Santa Casa, com previsão de cursos de medicina, enfermagem, fisioterapia e também de nutrição, retomando sua destinação histórica e cumprindo o ideal que sempre norteou a vida do dr. Luiz Alexandre de Oliveira. A reforma do prédio está a cargo da empresa do arquiteto José Marcos da Fonseca.
A Santa Casa de Campo Grande, sob a presidência do advogado Esacheu Cipriano Nascimento destaca-se sob sua administração com realizações concretas voltadas para a assistência médico-hospitalar, entre as quais a conclusão da unidade de traumatologia, já em pleno funcionamento com 110 novos leitos, depois de mais de 20 anos de obras e paralisadas desde 2011 (construção retomada em 2015); a construção do novo edifício que abrigará a parte administrativa a ser concluída ainda este mês; a recuperação de todo o entorno da Santa Casa, reformas das alas de enfermarias, lavanderia, etc etc etc.
Assim quando o Colégio Osvaldo Cruz completa 100 anos de sua construção, Campo Grande poderá se orgulhar de mais uma entidade histórica com rico manancial a servir sua população. Registro também o meu orgulho por ter sido aluno do Colégio Osvaldo Cruz.
Vida longa à Santa Casa de Campo Grande e sua subsidiária também centenária.
(*) Heitor Rodrigues Freire é Membro do Conselho de Administração da Santa Casa.
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