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Vacinas aplicadas fora do prazo de validade?

Luiz Carlos Dias (*) | 06/07/2021 08:22

Segundo matéria publicada no jornal "Folha de São Paulo" no dia 02/07/2021, 25.935 mil doses da vacina Oxford/AstraZeneca teriam sido aplicadas fora do prazo de validade em 1.532 cidades brasileiras. Aparentemente, oito lotes (4120Z001, 4120Z004, 4120Z005, 4120Z025, CTMAV501, CTMAV505, CTMAV506 e CTMAV520) indicavam data de vencimento entre 29/03/2021 e 4/06/2021. O levantamento publicado na Folha cita cruzamento de dados dos sistemas DataSUS (do Ministério da Saúde) e Sage (Sala de Apoio à Gestão Estratégica), que armazena os dados dos imunizantes entregues para os estados com número de lote e data de validade. O montante de 25.935 mil doses supostamente vencidas corresponde a 0.025% do total de 103.454,255 milhões de doses aplicadas.

As secretarias de saúde da grande maioria dos municípios citados na matéria negam que aplicaram doses fora do prazo de validade. Muitas prefeituras informam que se trata de um problema de notificação, sendo que as vacinas foram aplicadas na data correta, dentro do prazo de validade, mas os dados foram inseridos, alimentados no aplicativo do programa DataSus após a data de aplicação. As prefeituras estão se explicando, isto será esclarecido provavelmente em breve. As prefeituras não possuem a mesma infraestrutura e modo de operação para lançar os dados nos aplicativos e nem todas lançam os dados em tempo real.

Seria um erro vacinal?

Em termos de protocolo de saúde pública, se de fato as vacinas foram aplicadas fora do prazo de validade, caracteriza erro vacinal. Não é comum acontecer isso, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) é confiável e uma das coisas que temos de melhor no País. Vacinação é algo que o Brasil sabe fazer muito bem.

Vamos ter calma e equilíbrio e aguardar os desdobramentos e esclarecimentos, pois as vacinas podem ter sido aplicadas no tempo certo e lançadas no sistema posteriormente. Se for assim, elas não perdem a integridade vacinal e vida que segue.

O que se pode fazer?

Segundo a Sociedade Brasileira de Imunizações/SBIm, quando uma vacina com prazo de validade vencido é aplicada, isso é considerado um tipo de erro programático e a dose deve ser repetida. O Ministério da Saúde informou que todas as doses são enviadas dentro do prazo e que, caso aplicações fora do período ocorram, essa dose não é considerada válida e as pessoas envolvidas precisam passar por uma nova aplicação no intervalo de 28 dias após a aplicação da dose com validade vencida.

Prazos de validade subestimados

No caso destas vacinas para Covid-19, que estão sendo desenvolvidas para aplicação rápida na população, por questões de segurança, como essas vacinas são novas, certamente os prazos de validade estão muito subestimados. Isto é normal acontecer para fármacos como medicamentos e vacinas. Não tem nem um ano que essas vacinas foram desenvolvidas, com o tempo, e com confirmação da estabilidade, da qualidade e da integridade vacinal, os prazos de validade serão provavelmente maiores que os atuais. Vamos lembrar que alguns lotes de outras vacinas tiveram prazo de validade estendido pela Anvisa, como a vacina Johnson & Johnson/Janssen que teve o prazo de validade ampliado de 30 para 45 dias.

Vacinas com prazo de validade vencida podem fazer mal?

Não existe qualquer estudo de eficácia e segurança conhecido com vacinas com validade vencida, só se estudam vacinas cuja integridade é confirmada por testes de qualidade. A data de validade indica a data em que o fabricante da vacina atesta a qualidade do IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo). As vacinas com prazo de validade vencido não têm garantia de eficácia e segurança por parte do fabricante, que não pode ser responsabilizado por eventual falta de eficácia e nem por eventuais efeitos adversos, caso seja confirmado que as doses aplicadas estavam com prazo de validade vencido.

Nós precisaríamos ter uma análise de estabilidade e qualidade das vacinas com data de validade vencidas, feita pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade da Fiocruz/INCQS para confirmar a esterilidade, se essas vacinas mantêm ou não o mesmo padrão de qualidade de quando foram produzidas e poder prever eventuais danos.

Mas essas vacinas com data de validade supostamente vencida podem fazer mal? As pessoas que tomaram essas doses supostamente vencidas devem ser monitoradas, mas a vacina com prazo de validade vencido não é vacina estragada, deteriorada, que perdeu sua integridade, principalmente se o prazo de validade for próximo da data de aplicação. Os prazos de validade para vacinas costumam considerar um período de segurança maior e a vacina continua com sua integridade e qualidade por mais tempo. Não foi o caso de passar alguns meses, segundo a matéria, foram alguns dias. Nós sabemos que o prazo de validade não quer dizer que a partir da meia-noite do dia de vencimento a vacina estragou! De jeito nenhum!

Muito provavelmente, as pessoas que tomaram essas vacinas não correm riscos de desenvolver problemas de saúde, mas nós não temos certeza se essas vacinas vão gerar resposta imunológica esperada. No entanto, é possível sim que as pessoas podem até adquirir algum nível de proteção mesmo com a validade vencida, porque as vacinas podem ter uma quantidade suficiente do IFA, do adenovírus viável em número suficiente para despertar a resposta de proteção do sistema imunológico.

Momento pede equilíbrio e informação confiável

Essa matéria na Folha, sendo confirmada ou não a veracidade do levantamento, causou pânico na população. Não precisava ser assim. Eu não teria divulgado sem confirmar antes, com as secretarias estaduais e municipais de saúde, se de fato, essas doses foram aplicadas com prazo de validade vencido. Eu respeito o trabalho jornalístico, mas espero que os autores da matéria tenham feito contato com as secretarias municipais, pois o momento pede equilíbrio e já há muita desinformação. Tomara que esta questão seja esclarecida o mais rapidamente possível e não cause mais prejuízos. Fato é que esta matéria não trouxe nenhum tipo de benefícios, não ajudou em nada na adesão da população à campanha de vacinação em massa.

Manifestações da Anvisa, Fiocruz e Conass

Veja aqui manifestações a respeito desta questão, por parte da Anvisa, da Fiocruz e do Conass. A Fiocruz informou que os lotes supostamente com validade vencida não foram produzidos pela instituição, mas foram doses importadas prontas do Instituto Serum, da Índia, a vacina Covishield, além de lotes fornecidos pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas/OMS).

Segundo o mapa da vacinação no Brasil, organizado pelo consórcio de veículos de imprensa (G1, 'O Globo', 'Extra', 'Estadão', 'Folha' e UOL), o Brasil aplicou, em período de 5,5 meses desde o início da vacinação, um total de 103.454,255 milhões de doses até o dia 4/7/2021, o que corresponde a vacinar 36,07% da população (76.377,088 milhões de pessoas) com a primeira dose e 12,79% da população com a segunda dose (27.077,167 milhões de pessoas).

A população brasileira precisa acreditar nas vacinas e ter consciência de que todas e todos devem tomar as vacinas logo. Vamos vacinar, vacinar é um pacto coletivo, um exercício coletivo de cidadania.

Sobre os efeitos colaterais das vacinas? Eles são bem-vindos

Um artigo muito legal, publicado na revista Science Immunology no dia 22/6/2021 mostra que os efeitos colaterais das vacinas de RNA mensageiro da Pfizer e da Moderna, em uso contra o vírus SARS-CoV-2, refletem a produção transitória de interferons do tipo I, uma resposta fisiológica normal do organismo quando tem contato com microorganismos invasores. Os efeitos colaterais mais comuns são um pouco de febre, dor de cabeça, fadiga muscular, mialgia e mal-estar geral, que normalmente afetam cerca de 60% das pessoas vacinadas após a segunda dose. A maioria dos sintomas é atribuído à produção de uma citocina que desempenha papel vital na potencialização dos estágios iniciais da resposta imune, ou seja, o interferon tipo I (IFN-I). Os efeitos colaterais da vacinação quase sempre serão leves e transitórios e indicam apenas que a vacina está fazendo seu trabalho de estimular a produção de interferon, um imunoestimulador.

Eu já tinha comentado sobre os efeitos adversos com a vacina de Oxford/AstrazEneca. Em suma, sentir os efeitos colaterais até as primeiras 48h pós-vacinação, é normal e até desejável para uma resposta imunológica eficaz. O medo desses efeitos colaterais não pode ser maior que o medo da infecção pelo SARS-CoV-2. O vírus SARS-CoV-2, mata. Isso é Ciência e Ciência salva vidas.

Uma ou duas doses de vacina!

É um tema polêmico, eu sei, mas vamos lá. Antes de prosseguir na discussão, precisamos lembrar que a Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras agências de saúde pública recomendam que todas as pessoas que já foram infectadas pelo vírus Sars-CoV-2 sejam vacinadas com as duas doses das vacinas contra a Covid-19 (ou com uma dose no caso da vacina da Johnson & Johnson, a única testada em fase 3 em apenas uma dose). Não há nenhuma outra recomendação em contrário.

No entanto, um trabalho publicado no dia 14/06/2021 na revista científica Nature, sugere que algumas pessoas que foram infectadas com o vírus Sars-CoV-2 e tomaram uma primeira dose das vacinas da Pfizer ou da Moderna, poderiam abrir mão de tomar a segunda dose das vacinas. Nesse cenário de poucas doses e vacinação lenta, isto poderia ajudar a aumentar o percentual de pessoas não previamente infectadas com a Covid-19, que poderiam ser vacinadas com duas doses das vacinas, usando o excedente.

A dúvida que permanece é para que grupos essa possibilidade seria segura e para quais as outras vacinas, pois esse estudo envolveu apenas as vacinas de RNA mensageiro (mRNA) da Pfizer e da Moderna. Esse estudo e outros divulgados previamente sugerem que algumas pessoas recuperadas de Covid-19 tem uma tendência a desenvolver resposta imunológica forte com a primeira dose das vacinas, mas que uma segunda dose das vacinas não altera de forma significativa a resposta de proteção. Aparentemente, as pessoas recuperadas de Covid-19, após receberem uma única dose das vacinas, adquirem níveis de anticorpos neutralizantes semelhantes aos encontrados em pessoas que não foram infectadas e receberam duas doses dessas vacinas.

É preciso confirmar se os níveis de anticorpos neutralizantes realmente servem como parâmetro de proteção imunológica. Os autores do estudo também avaliaram os níveis de células B de memória dos voluntários e perceberam um aumento considerável de 10 vezes em média, em voluntários previamente infectados, após receberem uma dose das vacinas da Pfizer e da Moderna. Não houve variação significativa neste parâmetro com a segunda dose dessas vacinas em pessoas previamente infectadas. Seria possível colocar essa estratégia em prática na população real? Eu penso ser muito complicado. Fato é que não se pode deixar ninguém com o nível de proteção reduzido.

Eu penso ser melhor aplicar a segunda dose em todas e todos, mas esses resultados são interessantes podem servir para eventualmente apoiar estratégias de vacinação em apenas uma dose para pessoas que se recuperaram de Covid-19, o que seria útil para aumentar a cobertura vacinal e diminuir o espalhamento de variantes de atenção. Para mais referências a respeito deste assunto, com outros estudos mostrando que uma dose dessas vacinas em pessoas recuperadas de Covid-19 pode estimular o crescimento de anticorpos e células T de memória.

(*)Luiz Carlos Dias é Professor Titular do Instituto de Química da Unicamp, membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico e membro da Força-Tarefa da UNICAMP no combate à Covid-19.

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