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Violência contra a mulher não pode ser banalizada

Rejane Jungbluth Suxberger (*) | 22/07/2023 13:30

No último Dia dos Namorados, circulou, nas redes sociais, vídeo de uma advogada em que fazia piada com a data, pois segunda ela, o dia "combinava com crime passional". Quase 17 anos depois da entrada em vigor da Lei Maria da Penha e 8 anos depois da Lei que tornou o feminicídio um homicídio qualificado, ainda nos deparamos com chiste envolvendo a violência contra a mulher.

Após tantas mudanças legislativas, campanhas, implementações de políticas públicas pelos grupos que buscam enfrentar a violência contra a mulher, a reflexão que nos acomete é a do que mais é necessário para erradicar a existência de discursos que legitimam, banalizam e naturalizam a violência dentro de casa?

Uma mudança somente é possível quando a sociedade se mostrar apta a formular um novo conceito sobre o assunto. Por enquanto, o que vemos são crenças que ainda permeiam o coletivo e que possuem uma grande carga emotiva que contribuem para criar e manter a ideologia do grupo e que por isso são resistentes à permuta e à razão.

Para atingir um objetivo, como naturalizar a violência doméstica, por exemplo, a crença se alia às representações dos mitos como o amor romântico. Em sociedades como a do Brasil, nas quais se creem em mitos como a onipotência do amor, não surpreende que os indivíduos pensem a reprodução de um ponto de vista violento simplesmente como produto natural. É preciso tornar inteligíveis os fundamentos das representações das crenças e mitos coletivos para que se possa compreender a dinâmica dos discursos que fortalecem a violência. Tal tarefa exige a consideração de quais crenças e mitos são responsáveis para a produção das sentenças e quais são as consequências dessa reprodução naturalizada.

Nos mitos, o falso é visualizado e apontado como regra. Nas crenças, o falso se transforma em discurso, opinião e percepção equivocada da realidade. Os mitos da "natural superioridade masculina" em contraposição a uma "natural" inferioridade feminina ensejam uma crença de patriarcado que estabelece o masculino como geral e válido para toda a sociedade, ao passo que o feminino é apresentado como particular. O mito surge no instante em que, diante de um elevado conjunto de questões, como ocorre com a violência contra a mulher, não é possível fornecer explicações inteligíveis. Aceita-se o que existe de mais verossímil, sem que se pretenda ultrapassar seus limites.

As crenças naturalizam os mitos para que o habitual seja apresentado como algo que "é assim porque tem que ser", intentando outorgar um sentido moral em determinadas circunstâncias. A normalidade é construída sobre uma cultura que introduz a crença de que o não cumprimento dessa ordem natural é um ato de agressão ou violência. E é exatamente o que ocorre com a violência doméstica. Os agressores legitimam seus atos invocando mitos para agirem "como homens questionados" diante das condutas das mulheres com as quais convivem. A sociedade, por sua vez, reproduz as crenças da violência ao aceitar como natural crenças machistas e patriarcais. O resultado disso tudo: o famigerado e "engraçado" "crime passional".

Na violência contra a mulher, as crenças são definidas como concepções estereotipadas, fatos que servem para minimizar, negar, justificar ou até mesmo fazer piada à agressão à mulher. A história de machismo e patriarcado é construída pelos mitos e constitui a crença que naturaliza os atos de violência. Trata-se de uma ordem natural preconcebida na qual há um sentido prefixado em que cada um deve desempenhar o papel designado para a execução do objetivo comum. Essa "ordem natural" tem ocupado diferentes níveis da sociedade para organizar e dar sentido aos acontecimentos que buscam dar significado à vida e encontrar o fundamento das crenças.

Analisar as crenças oriundas de uma sociedade patriarcal é necessário para compreender a naturalização da violência masculina sobre as mulheres. Além do que, no enfrentamento da violência doméstica, são imprescindíveis ações conjugadas que possam modificar os discursos e práticas revitimizadores das mulheres no sistema de justiça. A presença das crenças e dos discursos de banalização da violência dificulta os avanços em relação ao tema não apenas na sociedade de um modo geral, mas nas instituições que compõem o sistema de justiça. Portanto, piadas com a banalização da violência contra a mulher nada mais são do que um reforço à violência nossa de cada dia, seja no dia dos namorados, seja em qual dia do ano.

(*) Rejane Jungbluth Suxberger é Juíza do TJDFT. Máster em Gênero e Igualdade pela Universidade Pablo de Olavide em Sevilla/Espanha. Mestrado em Direito no UniCeub.

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