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Violência contra mulheres em tempos da pandemia: doença social que se agrava

Eloisa Castro Berro (*) | 21/05/2020 10:04

A chegada do Covid-19, uma pandemia que está presente em todos os continentes e causando milhares de mortes, tem transformado o cotidiano de milhões de pessoas no mundo, atingindo com maior gravidade, as pessoas pobres e vulneráveis, especialmente as mulheres.

O relatório “Mulheres no centro da luta contra a crise Covid-19” divulgado no final de março pela ONU Mulheres mostra alguns indicativos que poderão ser agravados com os efeitos sociais e econômicos da pandemia no Brasil. Estes são: 38 milhões de pessoas estão abaixo da linha da pobreza, sendo que 27,2 milhões são mulheres (IBGE) e; 31,8 milhões de famílias do país (45,3% do total) são chefiadas por mulheres (IPEA)

Considerando que uma média de 70% dos trabalhadores da saúde que estão na linha de frente de saúde são mulheres, bem como mais de 92% dos trabalhadores domésticos e serviços gerais, podemos afirmar que existe uma grande sobrecarga de trabalho. Além disso, enquanto mulheres realizam 21,7 horas de trabalhos semanais não remunerados, os homens desempenham apenas 11 horas por semana.

Segundo o estudo, com a pandemia, mulheres tem que se dividir entre diversas atividades como: emprego fora de casa, trabalhos domésticos, cuidado com os filhos, educação escolar em casa e assistência aos idosos da família. Se antes da Covid-19 as mulheres desempenhavam duas vezes mais trabalhos não remunerados do que os homens, com o isolamento a expectativa é que este número triplique.

O relatório coloca ainda que as mulheres são as mais afetadas, pois estão mais expostas ao risco de contaminação e às vulnerabilidades sociais decorrentes da pandemia, como desemprego, violência, falta de acesso aos serviços de saúde e aumento da pobreza. A pandemia teve e continuará a ter “um grande impacto na saúde e no bem-estar de muitos grupos vulneráveis, principalmente as mulheres”.

A ONU Mulheres estima que, dentre a população feminina mundial, as trabalhadoras da saúde, as domésticas e as trabalhadoras do setor informal são as mais afetadas pelos efeitos da pandemia do covid-19. A redução drástica dos postos de trabalho deixa ainda mais vulneráveis essas mulheres.

Esta situação é agravada quando, no meio de uma crise sanitária sem precedentes, essas mulheres têm muitas dificuldades para receber o “auxílio emergencial” de 600 reais. Entre os principais problemas encontrados pelas que aguardam pelo benefício está a demora na aprovação do cadastro e as dificuldades de acesso ao aplicativo Caixa Econômica Federal.

O estudo da ONU Mulheres ainda aponta que, aliado a essa questões, existe o fato que, com o isolamento, os índices de violência doméstica aumentaram consideravelmente no mundo. Como as mulheres estão confinadas com seus agressores e distantes do ciclo social, os riscos para elas são cada vez maiores.

O isolamento social impõe a essa mulheres uma realidade cruel. O convívio prolongado com seus parceiros dentro de casa pode representar um risco, especialmente em um contexto em que as preocupações e inseguranças trazidas pela pandemia podem elevar as tensões e os conflitos familiares e aumento de casos de violência de gênero no Brasil e no mundo. Para muitas mulheres e meninas, o confinamento pode aumentar a frequência e a gravidade dos episódios de violência domestica, em todas as suas formas.

À medida que o confinamento imposto pela pandemia de Covid-19 exacerba a violência de gênero nas famílias, especialistas também temem o aumento da subnotificação destes casos, uma vez que a restrição de circulação e a presença constante do agressor em casa pode impedir que muitas mulheres consigam buscar ajuda ou fazer uma denúncia.

A violência contra a mulher acontece em casa, em momentos de convivência familiar e não se manifestam apenas nas agressões físicas ou no abuso sexual, mas também pelo abuso psicológico, pela violência moral e patrimonial. Nenhum homem se transforma em agressor só porque está confinado, mas para os homens que já carregam  dentro de si um padrão violento, esses fatores podem desencadear condutas de agressão ou intensificar uma agressão já existente.

A violência contra as mulheres sempre existiu e ainda é muito forte e naturalizada na sociedade atual. É uma violência aceitável em muitos casos, uma situação complexa e difícil de entender. As mulheres e meninas estão sendo espancadas e/ou morrendo dentro de casa, onde deveria ser o local que, em tese, estariam seguras e protegidas.

Conforme a Agência Patrícia Galvão (2020), uma mulher registra agressão sob a Lei Maria da Penha a cada dois minutos. Acontece um estupro a cada nove minutos e 90% das mulheres declaram ter medo de violência sexual. A agência coloca ainda que uma em cada cinco mulheres declara já ter sofrido algum tipo de violência.

O abuso sexual contra crianças também é uma triste realidade no nosso país. A Agência Patrícia Galvão (2020) aponta que em 2018 foram 32 mil casos em 2018, mais de três por hora. De 2011 até hoje foram 177 mil casos denunciados. A maioria dos casos ocorre em casa e o agressor é uma pessoa da família ou próxima da criança.

O Anuário de Segurança Pública (2019) mostra o Brasil como o 5º no ranking de assassinatos de mulheres. O feminicídio é o assassinato de uma mulher por sua condição de gênero, um crime de ódio e não de amor. Suas motivações são o ódio, o desprezo ou o sentimento de perda do controle sobre as mulheres.

No ano de 2019, 1.314 mulheres foram mortas por violência doméstica no Brasil. Houve um aumento de 7,3% em relação ao ano anterior. Conforme a Agência Patrícia Galvão, 01 mulher morre a cada 07 horas. Essa triste realidade se agravou com o isolamento social imposto pela quarentena e, até o momento em Mato Grosso do Sul, 14 mulheres morreram dessa forma em 2020.

Se o Brasil não é mais o mesmo que há três meses atrás, é preciso ter coragem para enfrentar todos os novos desafios que se impõem com a chegada e disseminação do Covid-19 em nossa sociedade já tão desigual, tão violenta e empobrecida. A pandemia, para além da gravíssima situação sanitária, expõe também o que há de mais vulnerável, doloroso e deficiente em nossas relações humanas: a violência e todas as suas faces.

É urgente, portanto, inaugurar novas formas de combater essa doença social que se aprofunda. A “normalidade” como conhecíamos talvez nunca mais retorne, e caminhamos para um futuro que ainda é uma incógnita. Mas há uma certeza: a de que os graves problemas sociais que nos afligem só serão solucionados com solidariedade, com empatia, no coletivo, na união das diferenças em nome daquilo que nos une.  Acolhida, partilha, sensibilidade, colocar-se no lugar do outro são alguns dos valores atribuídos ao feminino, e que ganham centralidade neste momento. É o ser humano, em especial as mulheres, no foco de nossas atenções.

Onde procurar ajuda:

Ligue 180: disque-denúncia. Funciona 24 horas, todos os dias, e pode ser acionada em qualquer lugar do Brasil. É possível fazer a denúncia de forma anônima.

Polícia Militar: 190 – serviço de urgência/emergência às pessoas em situação de risco.

Patrulha Maria da Penha: 199 e 153.

Casa da Mulher Brasileira – Rua Brasília, Jardim Imá. Telefone 2020 1300. Atendimento 24 horas.

Site: www.naosecale.ms.gov.br – informações e orientações às mulheres em situação de violência.

(*) Eloisa Castro Berro é mestre em Serviço Social pela UNESP/UCDB e coordenadora responsável no período da implantação da Casa da Mulher Brasileira de Campo Grande/MS.

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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