Voltaremos a vivenciar a era dos “apagões”?
O Sistema Interligado Nacional Brasileiro de energia é o que organiza boa parte das cargas elétricas do território nacional em um único conjunto energético. Por mais que se apresente como um projeto robusto e seguro, no dia 15 de agosto de 2023, o Brasil passou por um apagão, até o momento, sem causa concreta. Por uma falha, porém, milhares de brasileiros ficaram sem energia elétrica. Estima-se que 29 milhões de usuários ficaram sem energia em diversos estados por algumas horas.
Após esse evento e a religação das cargas, um questionamento vem à tona: “O quão seguro e confiável é o sistema interligado nacional?” Para os dias atuais, nos quais a energia elétrica é essencial para o trabalho e para produção do país, quais garantias essa interligação nacional dispõe para que outras falhas não venham a acontecer? Novos apagões poderão voltar a acontecer?
Para que seja possível compreender o contexto: este não é o primeiro evento conhecido como “apagão” geral na história do setor energético brasileiro. Em meados nos anos 2000, diversos apagões aconteceram de formas repentinas por motivos que serão apresentados no decorrer deste artigo. Quando tratamos do ano 2023, o evento de 15 de agosto se apresenta como, até o momento, o primeiro “apagão”.
Várias explicações vieram à tona após o evento sobre as possíveis falhas, pelos mais diversos especialistas, que, inclusive, comparam o surto com os “apagões dos anos 2000”. Uma comparação simples, nesse caso, era que nos anos 2000 os apagões se deram pelo déficit de geração em relação a uma demanda muito grande de consumo. Os rios estavam em escassez, as termoelétricas não supriam as demandas.
Em 2023, a falha, por outro lado, foi pelo efeito reverso: os reservatórios de água estão em abundância para energia elétrica através da fonte hídrica; as outras fontes renováveis, como solar e eólica, por exemplo, continuam a produzir em abundância. Em suma, há muito mais energia que a capacidade de consumo.
O que realmente aconteceu em agosto de 2023 foi um evento crítico: uma falha em uma das linhas de transmissão, mais precisamente, a linha LT500 kV Quizadá-Fortaleza II, segundo relatório apresentado pela ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico). Foi “uma atuação incorreta no sistema de proteção da linha, que operava dentro dos limites, o que ocasionou o seu desligamento”. Esse evento ativou as redundâncias de proteção da rede, que, ao detectarem as mudanças de parâmetros, começaram a fazer manobras para proteger para que o surto não se espalhasse.
Isoladamente isso seria resolvido em poucos segundos, porém as proteções ativadas desligaram da rede cerca de 19 mil MW do total de 73 mil MW nacional. Isso representa cerca de 27% de toda a demanda de carga, e esse transiente de energia elétrica trouxe um efeito conhecido como rejeição de carga. Esse efeito acontece quando há consumidores, e por alguma falha/desligamento, esses consumidores deixam de consumir energia repentinamente. Como as usinas não têm como se reorganizar em um período curto de tempo, esse excesso de energia não tem para onde escoar.
Para se proteger de um acidente por sobrecarga, as linhas de transmissão, o sistema começa a desligar a fim de que a rede seja preservada, como se houvesse pequenos seccionamentos na rede. São como disjuntores desarmando para que o curto circuito não tenha continuidade, mas, nesse caso, em larga escala. Algumas subestações e linhas de transmissão foram seccionadas e retiraram, assim, a carga do sistema.
Por mais que esse evento seja totalmente atípico no funcionamento normal da rede, o sistema mostrou-se robusto para segurança, evitando que os prejuízos nas redes fossem maiores. Em contrapartida, uma projeção para novas automações de segurança apresentam-se como necessidades de implementação no sistema.
Parece óbvio que 27% da carga nacional não deixa de consumir repentinamente ao mesmo tempo, porém não há o que limite esse evento de acontecer novamente. O sistema precisa prever as quedas de carga para poder realizar as manobras necessárias e manter o atendimento aos clientes. As fontes de geração precisam ser controláveis ou pelo menos necessitam ter comando de controladores para poderem atuar nessas ocasiões.
Em comparação com período mais crítico vivenciado no início dos anos 2000, o sistema interligado se desenvolveu muito. Há uma diversidade de fontes de energia, há uma rede mais forte, mais reforçada, há energia de sobra, entre outras qualidades. O projeto de interligação nacional precisa, porém, acompanhar e aprender com esses eventos, necessita desenvolver estudos para a implementação de novas tecnologias a fim de prevenir essas falhas e precisa aproveitar a robustez desse sistema já instalado para melhorar e proteger para que novos apagões não assolem os brasileiros.
(*) Alvaro Silva Dias é engenheiro eletricista e mestrando no PPG em Engenharia Elétrica.