Com doações em baixa, 585 pessoas esperam por órgãos e tecidos em MS
Mato Grosso do Sul tem retomada nos procedimentos após pandemia afetar convencimento familiar e treinamentos
Em Mato Grosso do Sul, atualmente 585 pessoas adultas à espera de um transplante de órgãos e tecidos. O período crítico da pandemia de covid-19 prejudicou tanto a captação quanto as cirurgias. O momento é de retomada e entre os desafios ainda estão as autorizações que precisam ser dadas pelas famílias dos possíveis doadores.
A fila reúne quem espera por coração, rim, córnea, osso e medula óssea, as "peças vivas" que as instituições de saúde de Mato Grosso do Sul estão habilitadas a transplantar via SUS (Sistema Único de Saúde). A fila seria ainda maior se considerasse a quantidade de crianças e os pacientes de todas as idades que precisam de órgãos e tecidos não transplantados no Estado atualmente.
A Central Estadual de Transplantes monitora os dados sobre a espera e regula o processo de doação e transplantes desde 1999. A coordenadora, Claire Miozzo, explica que, para um transplante ocorrer em Mato Grosso do Sul, é preciso ter instituição de saúde habilitada pelo Ministério da Saúde para transplantar; haver órgão ou tecido captado e disponível; e existir compatibilidade entre quem doou e quem vai receber.
O rim é o órgão com maior demanda no Estado e foi transplantado para 10 pacientes no ano passado, conforme dados da central. São 163 os pacientes aguardando recebê-lo hoje e duas as instituições aptas a transplantar: a Santa Casa e o Hospital Unimed.
Em relação ao coração, são três os pacientes na fila para o receberem e apenas o Hospital Cassems com habilitação para realizar o procedimento.
Quanto à córnea, o tecido transparente que cobre o olho, há 419 pessoas esperando. O Hospital São Julião, também a Santa Casa e diversas clínicas na Capital e interior do Estado podem fazer a cirurgia de transplante.
Desafios - O período crítico da pandemia de covid-19 atingiu em cheio a captação e transplante de órgãos. Em Mato Grosso do Sul, esse serviço vive uma fase de retomada, segundo Claire.
"Ela afetou principalmente o processo de entrevista, que inclui acolher adequadamente família para pedir autorização para a doação dos órgãos. Não era possível fazer presencialmente e isso dificultava", cita a coordenadora sobre a pandemia.
Além disso, foram prejudicados os treinamentos contínuos para preparar profissionais de saúde que terão a conversa com a família de possível doador. "Tivemos que fazer tudo a distância, o que foi outra dificuldade. Essas formações são muito importantes", acrescenta Claire.
Conseguir mais doações é desafio permanente, que só campanhas educativas e intensificação de treinamentos poderão alcançar. "As famílias são solidárias, mas tem algumas que sequer sabem o que é transplantar. Precisamos fazer campanhas e investir mais na formação", finaliza Miozzo.
Vida salva - Para o comerciante Igor Dias, 35, a pandemia impôs uma dificuldade a mais na recuperação de um transplante de rim. "Ela chegou meses após o transplante ser realizado, e foi um baque. Imediatamente precisei me 'esconder' por recomendação da minha médica, porque nos primeiros meses o paciente fica mais frágil", relata. O transplante foi feito na Santa Casa de Campo Grande, em abril de 2019.
Ele descobriu que tinha doença renal aos 14 anos, após fazer exames de rotina. "Na infância e início da adolescência eu tinha muita infecção de garganta. Numa dessas, fazendo exames, descobri que tinha algo errado e nos meses seguintes fiz uma biópsia. Veio então o diagnóstico de nefrite causada pela bactérica estreptococos", conta.
Após enfrentar anos de sessões de diálise peritoneal, que é diferente e ainda mais desgastante que a hemodiálise tradicional, segundo Igor, foi possível encontrar no próprio tio um doador vivo.
"Minha esposa iria doar, mas teve pedra nos rins duas vezes e precisou fazer cirurgia para retirar. Quando descartamos essa opção e parecia não haver ninguém, surgiu meu tio Nicolas, marido da irmã do meu pai", conta. Embora não consaguíneo, ele era compatível e a cirurgia aconteceu após autorização judicial. O órgão doado permite que Igor viva.
Transplante de fígado - Mato Grosso do Sul não faz transplante de fígado, porém, tem um movimento crescente pela habilitação de instituições e a formação de profissionais envolvidos no processo de captação e cirurgia.
No ano passado, o médico-cirurgião Gustavo Rupassi contabilizou 14 transplantes de fígado em pacientes de Mato Grosso do Sul feitos em Socorocaba, no Interior de São Paulo. "Todos com 100% de sobrevida após a operação", frisa. No mesmo ano, 31 estavam indicados para o procedimento.
Rupassi é especialista em transplante de fígado e mudou-se para para o município paulista em 2021, onde atuou como médico assistente nos procedimentos desse tipo feitos no Hospital Unimed. Agora atuando no Hospital Adventista do Pênfigo em Campo Grande, ele acompanha pacientes com demanda por transplantes e vai criar uma associação.
Embora vinculado a uma instituição privada, o médico explica que a associação não está relacionado a ela. "O nosso objetivo é ampliar as doações e transplantes de órgãos para os pacientes do SUS. Acelerar, identificar e tratar cada vez mais pacientes, além de envolver uma equipe multidisciplinar nela para formarmos mais profissionais no estado, que hoje é um dos maiores desafios", pontua.
O médico ainda anseia que, em breve, transplantes de pâncreas e fígado pediátrico possam ser feitos em Mato Grosso do Sul.