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Cidades

Crime invisível, tráfico de pessoas exige atenção em áreas produtivas

Defensor público geral defende atenção a cidades “no olho do furacão do desenvolvimento”

Por Maristela Brunetto | 05/07/2024 14:40
Policiais federais acompanharam auditorres em ação recente em fazendas para resgayar trabalhadores (Fotos: Arquivo/ Divulgação PF)
Policiais federais acompanharam auditorres em ação recente em fazendas para resgayar trabalhadores (Fotos: Arquivo/ Divulgação PF)

No mês em que se celebra o Dia Mundial de Combate ao Tráfico de Pessoas, 30 de julho, a Defensoria Pública do Estado reuniu especialistas pra debater o tema e defender o trabalho integrado das autoridades públicas, a participação de instituições da sociedade e o envolvimento do setor privado. O defensor geral, Pedro Paulo Gasparini, apontou a necessidade de atenção especial às cidades que estão “no olho do furacão do desenvolvimento” e mencionou especificamente Ribas do Rio Pardo e Inocência, que vivenciam uma abrupta disparada na oferta de empregos com a chegada de dois projetos gigantes ligados à celulose, e fazendas do Pantanal, onde as condições geográficas colocam trabalhadores em regiões remotas. Entre os participantes, também ficou clara a preocupação com o aumento dos problemas com a consolidação da Rota Bioceânica.

Classificando o tráfico de pessoas como um crime invisível e silencioso, ele aponta como um dificultador a falta de percepção das próprias pessoas exploradas ou, ainda, a vergonha de revelar que foram enganadas. Gasparini comparou que são pessoas que buscavam um sonho e encontraram pesadelo.

Ele considerou essencial o engajamento de setores e debates para dar mais visibilidade ao tema. O alerta do defensor sobre o trabalho em fazendas está amparado nos números. No mês passado, a Sead (Secretaria Estadual de Assistência Social e dos Direitos Humanos) divulgou que 37% das ocorrências de trabalho escravo estão associadas à pecuária. No mês passado, auditores do trabalho e policiais federais resgataram dez pessoas em fazendas no Pantanal.

Fazendas em regiões de fronteiras constaram em levantamento recente sobre trabalho forçado
Fazendas em regiões de fronteiras constaram em levantamento recente sobre trabalho forçado

No último levantamento do Ministério do Trabalho e Emprego, o Estado acumulava 27 denúncias de trabalho escravo, 26 no campo e uma na construção civil. Os números também revelam uma particularidade local: as fronteiras com Paraguai e Bolívia e as populações indígenas trazem uma oferta fácil de pessoas para serem aliciadas e exploradas. No mapa, entre as cidades com mais casos estão várias fronteiriças, com Corumbá no topo, seguida de Porto Murtinho, Bela Vista e ainda Ponta Porã, Antônio João e Laguna Carapã com flagrantes.

O procurador do trabalho Paulo Douglas de Morais também apontou MS como um corredor para o tráfico de bolivianos rumo a São Paulo, situação que sequer precisaria ocorrer, disse, uma vez que eles poderiam entrar no País e chegar a São Paulo para trabalhar livremente, sem a clandestinidade. Ele atribui o fato à desinformação, que deve ser combatida, inclusive por autoridades do país vizinho.

Os vizinhos, e também trabalhadores brasileiros, são preocupação diante do avanço do projeto da Rota Bioceânica. Murtinho já vivencia um aumento no fluxo de pessoas com a obra da ponte e, em breve, a chegada da obra bancada pela União para criar um anel viário e acesso à travessia. Concretizada a Rota, ela proporcionará um movimento adicional de gente indo e vindo entre os países envolvidos.

Crimes relacionados - O tráfico de pessoas tem pena de 4 a 8 anos, podendo aumentar até a metade em determinadas circunstâncias. É um crime que nunca ocorre isolado. Ele é associado ao trabalho escravo, retirada de órgãos, exploração sexual e ainda uma modalidade mais recente, que desafia as autoridades, segundo Marina Bernardes de Almeida, coordenadora de Gestão da Política e dos Planos Nacionais de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Ela diz que tem ocorrido caso de jovens aliciados para atuar com crimes virtuais, como criptomoedas e jogos, que acabam indo parar na Ásia. Marina também aponta conexão com ações que degradam o meio ambiente.

É um tipo de crime que vai “mudando de roupagem”, adverte, defendendo maior repressão e condenações, para o ciclo “ir se fechando”. O mesmo entendimento expressa a professora da UFMS, Cláudia Araújo de Lima, veterana no tema. Ela também mencionou a extensão das fronteiras e a facilidade de abordar pessoas, em especial as crianças. Segundo relatou, em uma contagem foi possível perceber que por dia mais de 70 crianças e adolescentes circulam sozinhos na fronteira com a Bolívia para estudar em Corumbá.

Para ela, é preciso acompanhar o desenvolvimento econômico, como o Estado tem vivenciado, porque o progresso tem como face negativa o favorecimento para ocorrência do tráfico e exploração de pessoas.

Marina, Cláudia e Graziella em discusão sobre tráfico de pessoas, mediada por defensor público (Reprodução Youtube)
Marina, Cláudia e Graziella em discusão sobre tráfico de pessoas, mediada por defensor público (Reprodução Youtube)

Tecnologia para cooptar – Também palestrante do evento, Graziella do Ó Rocha, outra veterana no tema, diretora da Asbrad (Associação Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e da Juventude), faz o alerta para o amplo uso da tecnologia para atrair vítimas para situações de exploração. Desde pessoas que se mostram bem sucedidas em redes sociais, como chamariz, e despertam um interesse afetivo, até crianças e jovens atraídos em jogos on line. Nem sempre é para uma situação de trabalho, mas também exploração afetiva, abuso, condição que ainda se discute como encaixar nos debates sobre enfrentamento, explica.

Não faltam relatos de casos que chegaram à Asbrad. Graziella menciona despretensiosos grupos de whats app em que cooptadores obtêm dados de eventuais vítimas para o tráfico de drogas, bate-papo para aprendizado de idiomas em que a pessoa pode se sentir atraída, deixar o país e passar por exploração sexual ou até mesmo trabalho doméstico forçado.

A tecnologia que possibilita monitorar vítimas e exercer controle sem precisar apontar uma arma também tem o lado positivo, menciona. Ela permite ampliar investigações, rastrear recursos de quadrilhas, receber denúncias e oferecer mecanismos para os pais protegerem crianças e adolescentes.

As três convidadas foram unânimes em alertar que o enfrentamento do tráfico de pessoas precisa olhar para a vítima, ter uma face educativa, ensinando desde cedo sobre os riscos. Cláudia diz que é preciso um enfrentamento coletivo, com estratégias locais.

Dela vem uma defesa veemente: é preciso lutar contra a pobreza e miséria extremas para as pessoas não serem vulneráveis a propostas tentadoras, mas que, na verdade, resultam em servidão.

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