Efeito colateral das internações por covid, infecção hospitalar cresce e mata
Idoso de 71 anos, infectado com o novo coronavírus, morreu depois de curado da doença, mas não resistiu à sepse pulmonar

Em ano de pandemia, além da tragédia da covid, o efeito colateral do tratamento está nas ocorrências de infecção que subiram, tanto por conta do longo tempo de internação imposto para tratamento de covid-19, quanto pela lotação das unidades hospitalares direcionadas para esse tipo de atendimento. A falta de estrutura é outro agravante. O uso de ventilação mecânica nas UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) é de longe a principal causa de infecções hospitalares (IH).
Quem lida diretamente com alas de cuidados intensivos confrima o crescimento de casos de infecção durante a pandemia do novo coronavírus, o que de certa forma, já era esperado. Números exatos, no entanto, somente no ano que vem, quando a SES (Secretaria de Estado de Saúde) deve publicar novo boletim.
Mas há relatos de quem viveu esse aspecto da tragédia da pandemia. Cíntia Fernandes, 32 anos, é técnica de enfermagem e perdeu o pai, Carlos Bento Pedro Fernandes, 71, no dia 2 de novembro, após longa internação por covid-19. Ele chegou a ser extubado, ou seja, parou de respirar por aparelhos, mas retornou e não resistiu à infecção pulmonar. Foram 17 dias internado.
“O médico me contou e saiu nos boletins que ele teve infecção, foi uma pneumonia hospitalar. No hospital vemos um total descaso, com funcionários saindo dos atendimentos internos e indo fumar sem tirar o uniforme privativo. O que me revolta não é perder meu pai por covid-19, mas por infecção hospitalar”, lamenta Cíntia.
Para ela, no Hospital Regional, houve precariedade no atendimento ao seu pai, com descuido dos funcionários diante das medidas que deveriam ser adotadas para evitar o desenvolvimento de infecções.
“Meu pai desenvolveu escaras. Eu olhei tudo. Até a orelha dele estava cortada. São muitos cuidados que o hospital não tem e em casa ele seria muito melhor tratado, porque eles não têm o mínimo de respeito”, lamentou.
Como técnica de enfermagem, ela afirma que já trabalhou em unidades de saúde e que saber o que pode e não pode ser feito. “A infecção hospitalar é maior ou menor dependendo da unidade e os trabalhadores são muito cobrados para se cuidar. No caso do meu pai, tudo indicava que ele apresentava melhora, mas voltou pra UTI. Sei que não vou trazer meu pai de volta, mas posso ajudar outras famílias”.
Na rotina – o nefrologista Marcelo Santana, com experiência em cuidados intensivos e em Pronto Socorro, acompanhou este ano vários casos de pacientes internados com covid-19. Segundo ele, as bactérias que se desenvolvem em ambiente hospitalar são diferentes das presentes no ambiente externo.
Isso porque em unidades hospitalares há maior concentração de pessoas em espaços menores, o que favorece a proliferação de microrganismos. “Quem transmite são os próprios pacientes, porque quanto mais pessoas num mesmo espaço, maior o risco”, afirma.
O trabalho feito de higienizar os leitos, as mãos, o uso de luvas, conforme Santana, é essencial, mas não determinante pata evitar infecções.
“Principalmente hoje, dentro dessa lotação de pacientes que passou em vários hospitais (por causa da covid), aumentou obviamente contato entre pessoas, profissionais e pacientes, com maior possibilidade de contágio”.
O médico explica ainda que inclusive, por protocolo, quando uma pessoa internada recebe alta, caso ela apresente algum tipo de infecção bacteriana nos 60 dias posteriores, ainda é considerada infecção hospitalar.
“Para quem tem uma rotina dentro do hospital, a composição da flora bacteriana é diferente dos demais, porque o hospital concentra gente doente”, explica, lembrando que pessoas saudáveis e com boa imunidade, são menos suscetíveis ao contágio. Já os que estão internados, que estão doentes, correm mais risco.
Além da concentração e lotação de pessoas propiciar aumento de infecção hospitalar, o tempo de internação também influencia nesse fator. “Quanto maior o tempo de internação, mais muda a flora bacteriana. E pode ocorrer, devido a imunidade, de alguma dessas bactérias provocar uma mudança que cause infecção”, analisa Santana, que também é presidente do Sinmed (Sindicato dos Médicos de MS).
Com relação à covid, o nefrologista explica que quem fica internado por covid, fica de um a dois meses, são graves e grande parte deles, intubado.
“Quanto mais grave um paciente é, mais temos que invadí-lo, o que predispõe as infecções”, afirma, citando o uso de traqueostomia, sondas urinárias e catetéres. "É importante salientar que o ideal é que a pessoa não interne e o faça somente quando realmente necessário. E caso interne, que tenha alta o mais rápido possível”, sustenta.
Dados – Boletim da SES referente ao período de 2012 a 2019, mostra a taxa de incidência de infecção hospitalar em 29 unidades hospitalares. A maior incidência, ano a ano, é de infecções PAV (pneumonias associadas à ventilação mecânica). No ano passado, de 22 unidades analisadas, houve ocorrência em 19,2% dos pacientes.
Nos anos anteriores, com mesmo número de unidades verificadas, a taxa chegou a 18,4% (2018) e 20,3% (2017). Entre 2015 e 2016, era apenas 19 unidades, e a taxa foi de 22,6% e 22,8%, respectivamente. Em 2014, entre 12 locais verificados, o índice de infecção foi de 18,6%; em 2013, nove locais e taxa de 24,9%; 2012 havia oito unidades e a taxa foi de 27%.
O segundo tipo de infecção mais recorrente em UTIs Adulto é de ITUs (infecções do trato urinário associadas ou não à sonda vesical). As taxas são, entre 2015 e 2019 de 5,9% (em 2018 e 2019); 6,4% em 2017; 8,2% em 2016 e de 10,1% em 2015.
Os casos de IPCS (infecções da corrente sanguínea associadas a cateter venoso) são ainda menos comuns, com índices que ficaram entre 7,7% e 2,0% entre 2012 e ano passado. O ano com menor incidência foi 2018, com taxa de 2,9%. Em 2019, foi de 4,0%.
Já os casos de ISC (infecções do sítio cirúrgico) são ainda menores, com taxas entre 0,4% e 5,6% (vide tabela nesta matéria).
Matéria alterada às 15h20 para correção de informação.