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Cidades

Indígenas de MS foram alvos de ‘crimes contra a humanidade’, aponta MPF

Acusação permitira remessa dos casos ao Tribunal Penal Internacional e parte de estudo que identificou 24 ataques em 16 anos, com 9 mortes

Humberto Marques | 01/05/2019 15:52
Movimentação de índios após ataque em Caarapó, em 2016; Procuradoria quer chance de levar casos ao Tribunal Penal Internacional. (Foto: Helio de Freitas/Arquivo)
Movimentação de índios após ataque em Caarapó, em 2016; Procuradoria quer chance de levar casos ao Tribunal Penal Internacional. (Foto: Helio de Freitas/Arquivo)

Um relatório encomendado pela força-tarefa Avá Guarani, do MPF (Ministério Público Federal), elaborado por universidades do Brasil e dos Estados Unidos será usado para que, judicialmente, tente-se reconhecer que populações guaranis-kaiowás de Mato Grosso do Sul foram vítimas de crimes contra a humanidade. A medida, que não visa a alterar outras acusações envolvendo desocupações forçadas de terras, abre brecha para que, caso haja “omissão” no Judiciário brasileiro, tais fatos sejam submetidos ao Tribunal Penal Internacional.

Reportagem do jornal O Estado de São Paulo aponta que, entre 2000 e 2016, foram contabilizados 24 ataques contra indígenas das etnias, que resultaram em 9 mortes e 2 desaparecimentos. A tese de crimes contra a humanidade nesses episódios foi levada ao Núcleo de Direitos Humanos da Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos) e à Cardozo Low School, a faculdade de Direito da Universidade Yeshiva (EUA), que elaboraram parecer sobre esse enquadramento legal.

Apenas as Procuradorias Regionais da República de Dourados, Naviraí e Ponta Porã ofereceram, juntas, denúncias criminais em 11 dos casos relacionados –em outros, a acusação parou na falta de identificação dos autores. Até aqui, só houve decretações de prisões temporárias ou preventivas, sem cumprimento de penas. Uma única sentença, que inocentou o acusado, é alvo de recurso no TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região).

O resultado do estudo das universidades, segundo o MPF, apontou que não houve “fatos criminosos isolados, mas interligados entre si e assim devem ser tratados pelo Estado brasileiro”. A conclusão considerou três fatores para a tese jurídica: a motivação dos ataques (expulsão dos índios de propriedades em terras reconhecidas como indígenas que foram altos de tentativa de retomada sobre estas), a autoria (proprietários rurais e seus vigilantes, inclusive “com a participação, muitas vezes, de políticos locais”) e discriminação (facilitador e encorajador dos atos).

A Procuradoria anota que, embora os ataques não tenham os mesmos autores, estes seriam integrantes de um grupo que age pela expulsão dos índios, “num contexto mais amplo de demarcação de terras que afeta os fazendeiros da região”.

Confrontos na região de Caarapó, em 2016, resultaram em acusações contra proprietários rurais. (Foto: Helio de Freitas/Arquivo)
Confrontos na região de Caarapó, em 2016, resultaram em acusações contra proprietários rurais. (Foto: Helio de Freitas/Arquivo)

Denúncias – Dentre os 24 ataques relacionados, houve denúncias dos supostos autores por associação criminosa, sendo relatado, ainda, que as ações ocorreram geralmente de surpresa, tendo entre os alvos pessoas desarmadas, idosos e crianças, obrigados a fugir sob tiros. Também houve relatos sobre espancamentos e outras violações à dignidade.

O MPF afirma que, mesmo em caso de justa causa para expulsar os invasores das propriedades rurais, os ataques configuram exercício arbitrário das próprias razões, crime previsto no artigo 345 do Código Penal. Porém, os episódios se repetiram em áreas apontadas como terras indígenas, sobre as quais pairam ao menos a discussão sobre o título de propriedade dos fazendeiros, que seriam “nulos e sem efeito” à luz da Constituição.

No parecer, aponta-se que há características suficientes para considerar os crimes como “um ataque generalizado e sistemático” contra civis, dentro de um plano “determinado e previamente estabelecidos”, havendo condições de serem qualificados como crimes contra a humanidade, dentro do que prevê o Estatuto de Roma, do qual o Brasil é signatário, e outras jurisprudências internacionais.

Essa tipificação tornaria obrigatória a ação do Estado contra os crimes –mesmo entre países que não são participantes do Estatuto de Roma, já que se tratam de normas de direito e costumes internacionais. Da mesma forma, aponta-se que a nova qualificadora poderia ser analisada com outras acusações já denunciadas, como homicídio, lesão corporal gravíssima, sequestro e ocultação de cadáver, entre outras. Mas, em caso de “omissão” ou “incapacidade” da Justiça brasileira, os processos poderiam ser levados ao Tribunal Penal Internacional.

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