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Cidades

Para mulher que julga, a magistratura ainda é um espaço a conquistar

Judiciário tem presença majoritária de homens, mas pioneiras acham que isso vai mudar

Por Maristela Brunetto | 08/03/2024 13:25
Jaceguara é uma das duas desembargadoras do TJ; posse foi em 2022 (Foto: Arquivo)
Jaceguara é uma das duas desembargadoras do TJ; posse foi em 2022 (Foto: Arquivo)

Um olhar mais atento às imagens dos colegiados em que todos estão de toga traz uma constatação: a presença de juízas é uma exceção. A magistratura é um local com presença majoritária de homens. No STF (Supremo Tribunal Federal), Carmén Lúcia é a única mulher entre 11 membros do colegiado; no STJ (Superior Tribunal de Justiça) são cinco ministras em um grupo de 31 integrantes. O TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) tem duas desembargadoras, somando 5% das cadeiras, com a Corte formada por 31 integrantes.

Essa sub-representação não se resume ao Judiciário, mas a todas as esferas de poder, na análise de uma dessas pioneiras, a desembargadora Jaceguara Dantas da Silva. Ela é titular de uma das togas do TJMS, junto com Elizabete Anache.  No ano passado, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) acendeu uma luz sobre a desproporcionalidade de gênero nas Cortes e determinou que as promoções por merecimento sejam intercaladas por homens e mulheres

Jaceguara ingressou em carreira jurídica em 1922, como promotora, e 30 anos depois, alcançou uma vaga no TJ. Quando tomou posse, em janeiro de 2022, mencionou a importância da representatividade de uma mulher negra na Corte. Ela foi a segunda, a primeira foi Marilza Fortes, já falecida. Ao todo, o TJ já teve sete mulheres integrando a Corte. Jaceguara vê um contexto social que legitimou a ocupação dos espaços de poder pelos homens. “Isso é reflexo de uma sociedade na qual a mulher ocupou por longo período de tempo apenas o espaço privado, dedicando-se exclusivamente à família e filhos.”

Ela não abdicou de uma posição de protagonismo. Fez mestrado, doutorado, tornou-se procuradora do Ministério Público, atuou na área criminal e defendeu direitos humanos. A nomeação como desembargadora, além da representatividade do gênero e raça, é também reconhecimento dessa trajetória de trabalho e estudo, acredita.

No TJ, Jaceguara atua em espaços para defender direitos das mulheres. “Enquanto desembargadora, sigo trabalhando de forma dedicada e empenhada, no sentido de atender às demandas processuais dos jurisdicionados, e desenvolver, perante à Coordenadoria da Mulher, um trabalho de qualidade, especialmente no combate à violência de gênero em todas as suas interfaces”, explica. Ela considera que o conhecimento da realidade de discriminação e preconceito “que permeiam as realidades das mulheres e da população negra” permite que possa contribuir para mudar a realidade, “inclusive a partir das lentes de gênero e de raça”.

Juíza Mariel, em momento solene, na posse como primeira mulher a presidir a Amamsul (Foto: Divulgação TJMS)
Juíza Mariel, em momento solene, na posse como primeira mulher a presidir a Amamsul (Foto: Divulgação TJMS)

A primeira - Mariel Cavalin dos Santos, juíza há 24 anos, é a primeira mulher a comandar a Amamsul (Associação de Magistrados de Mato Grosso do Sul), entidade que existe há 45 anos. A magistratura do Estado tem quase dois terços dos integrantes homens, sendo 182 membros, com 65 mulheres.

Assim como a desembargadora, a juíza não considera que haja desinteresse das mulheres na magistratura, mas se trata de um reflexo da sociedade. Entretanto, ela vê um cenário de mudança “que se consolidará com o tempo”, movimento que envolve todas as profissões.

Ser mulher, mãe, juíza tem seus desafios. Mariel não descreve situações, mas reconhece que na tarefa de conduzir audiências, lidar com as pessoas envolvidas nos processos, surgem “situações difíceis”, mas que, “em geral, são contornadas com serenidade e esclarecimentos.” A reportagem do campo Grande News já tinha ouvido relato semelhante de juíza atuante em casos da Lei Maria da Penha, onde o machismo é um traço presente entre réus, negando legitimidade à mulher que julga.

Mariel conta que passou boa parte de sua carreira no interior, em Inocência, Cassilandia e Aparecida do Taboado, uma necessidade para ter apoio de outras mulheres- mãe, irmã e madrinha- para a rotina com os dois filhos. Desde 2017 ela está em Campo Grande, é titular da 16ª Vara Cível Residual.

A juíza mulher tem traços que tornam seu trabalho singular. “Na minha visão, a sensibilidade feminina e o acolhimento são duas características presentes no desempenho da função de julgar das magistradas”, considera.  Essas particularidades são elementos que as julgadoras acreditam ter a acrescentar para alcançar mudanças. Jaceguara aponta que a diferença de gênero não afetou sua acolhida no TJ, mencionando o respeito como foi recebida, e revela sua expectativa, de “poder colaborar para a construção de um caminho fraterno, exitoso e inclusivo para o futuro”.

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