População em situação de rua cresce e governo quer ampliar casas terapêuticas
Aumento de dependentes químicos nas ruas no "pós-covid" precisa ser enfrentado, diz membro de federação
Vivendo em situação de rua, Cauby de Freitas Novaes, 56, morreu na semana passada em Campo Grande após ser agredido pelo guarda civil metropolitano Emerson Teixeira Barbosa. O caso provocou revolta e reascendeu o debate sobre as políticas de assistência social na Capital.
"Campo Grande grita. Você vai ao Centro e hoje não é mais incomum ver lojistas abrindo as portas dos comércios enquanto pessoas dormem à frente", alerta o membro da Fesmact (Federação Sul-Mato-Grossense de Comunidades Terapêuticas), Eliandro Simonetti.
Comunidades terapêuticas é o termo usado para se referir às casas que oferecem tratamento gratuito a pessoas com transtornos causados pelo uso de álcool e drogas. São 11 as filiadas à Fesmact em Campo Grande atualmente. Juntas, elas ofertam o total aproximado de 300 vagas para que pessoas durmam, façam refeições e higiene, além de iniciar tratamento medicamentoso e psicossocial, que também passa pelo espiritual em alguns casos.
O número de vagas hoje ofertadas é muito baixo comparado ao número de pessoas nas ruas. Segundo Eliandro, a Fesmact estima que, somente na região da antiga rodoviária da Capital, existam mil dependentes químicos circulando diariamente.
Pandemia - O momento "pós-covid" agravou o cenário já preocupante, ainda de acordo com o membro da federação. "Durante a pandemia, muitas pessoas acabaram desistindo da família e foram abandonadas. Aumentou também as pessoas de fora do Estado e imigrantes. O número de mulheres nas ruas também aumentou. Estamos tendo dificuldade de lidar com tudo isso", descreve.
Assim, a demanda hoje é a de abertura de mais vagas nas comunidades terapêuticas e maior orçamento por pessoa assistida. Entre as comunidades filiadas à Fesmact, o orçamento mensal é de R$ 1 mil para cada interno. "Sem recursos não se avança em política pública. Estamos pedindo pelo amor de Deus por ações concretas. Temos comunidades que são referência nacional no tratamento e têm toda a capacidade de contribuir nesse enfrentamento", finaliza Eliandro.
De acordo com levantamento mais recente do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, houve aumento na quantidade de pessoas que usaram drogas no mundo. Cerca de 284 milhões de pessoas na faixa etária entre 15 e 64 anos usaram drogas em 2020, 26% a mais do que dez anos antes.
No Brasil, essa realidade também preocupa. Segundo o Ministério da Saúde, o SUS (Sistema Único de Saúde) registrou mais de 400 mil atendimentos a pessoas com transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de drogas e álcool em 2021.
Ampliação - Está no radar da vice-governadoria e da Sead (Secretária de Assistência Social e Direitos Humanos) a ampliação do atendimento nas comunidades terapêuticas. No fim do mês de março, uma primeira reunião "iniciou processo de construção de políticas públicas mais efetivas nessa área", afirma o vice-governador José Barbosa.
"Ouvimos as instituições que atuam lá na ponta, e o Estado reforçou o compromisso de construir essa agenda, com transversalidade e parcerias", complementou o vice-chefe do Executivo.
Repasses - Dados da Sead apontam que foram repassadas às comunidades terapêuticas credenciadas junto ao Estado o total de R$ 1,3 milhão entre os anos de 2020 e 2022, sendo R$ 638 mil via chamamento público e R$ 685 mil via emenda parlamentar.
Algumas das instituições contempladas foram a Associação Ágape (Chapadão do Sul); Associação Assistencial Casa de Reabilitação Novo Olhar (Dourados); Associação de Reabilitação Parceiros da Vida – Esquadrão da Vida (Campo Grande); Casa de Recuperação Jeová Jiré (Dourados); Casa de Recuperação Projeto Vida Nova (Iguatemi); Associação de Recuperação e Reinserção Social Libertar (Campo Grande); Associação de Reabilitação e Reinserção Comunidade Terapêutica Peniel (Dourados); e Associação Antialcoólicos (Paranaíba).
Exemplo de comunidade - O projeto Simão é um exemplo de comunidade terapêutica atuante na zona urbana de Campo Grande. Apoiada pelo município e por doações, ela se mantém aberta desde 2016 no Bairro Amambaí, onde está localizada a antiga rodoviária.
Secretária do Projeto, Antônia Mendes afirmou à reportagem que atualmente são atendidos 25 homens, mas que há mais vagas disponíveis. A lotação máxima é de 40 pessoas.
Questão em debate na comunidade em questão não é a quantidade de vagas, estrutura ou parcerias, mas sim a recidiva dos atendidos. "Nosso índice de recuperação hoje é bem baixo. De dez que entram, apenas dois se recuperam", afirma Antônia. O tempo médio de permanência no local é de seis meses.
O Projeto Simão tem também uma casa pós-tratamento, onde os atendidos passam por ressocialização e são inseridos no mercado de trabalho.