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Cidades

Taxa de recuperação de dependentes químicos não passa de 15% em Campo Grande

Faltam leitos de internação e investimentos em tratamentos mais longos, com é feito em outras partes do mundo

Caroline Maldonado | 12/03/2023 08:47
Dependêntes químicos em recuperação e material de apoio em Comunidade Terapêutica (Foto: Henrique Kawaminami)
Dependêntes químicos em recuperação e material de apoio em Comunidade Terapêutica (Foto: Henrique Kawaminami)

A busca desesperada por tratamento para dependentes químicos na internet traz dezenas de anúncios de “clínicas” que prometem resgate 24h, internação e recuperação. Chega a ser difícil escolher e alguns sites levam aos mesmos destinos. Nem todos cumprem a promessa de internação médica, que é necessária aos que perambulam pelas ruas do Centro de Campo Grande, usando drogas dia e noite.

As pessoas que clicam em um desses anúncios correm o risco de não conseguirem um tratamento eficaz para o parente que está sendo consumido pele dependência.

Internação e acompanhamento 

Faltam leitos de internação e investimentos em um tratamento que possa vislumbrar uma taxa de eficácia de 15% a 20%, como ocorre em raros locais no mundo, incluindo o Estado do Colorado, nos Estados Unidos, por exemplo.

Lá, o paciente passa por um tratamento e fica no “radar” dos médicos por, pelo menos, 10 anos, segundo o psiquiatra Marcos Estevão dos Santos Moura, que há 40 anos atua nessa área na Capital.

"O paciente tem que voltar a cada três meses e se não volta, o médico vai atrás. A cada ano que passa, alguém volta a usar drogas. Então, essa pessoa tem que ser encontrada pela equipe médica", detalha Marcos Estevão.

Médico psiquiatra Marcos Estevão dos Santos Moura, que atua no Hospital Nosso Lar (Foto: Marcos Maluf)
Médico psiquiatra Marcos Estevão dos Santos Moura, que atua no Hospital Nosso Lar (Foto: Marcos Maluf)

Tratamentos oferecidos

Para entender quais opções de tratamento são oferecidas aos dependentes químicos em Campo Grande, ouvimos médico, prefeitura e o proprietário de uma Comunidade Terapêutica e, assim, descobrir quais os índices de eficácia e o que pode e deve ser feito para atender a todos e, pelo menos, considerar a taxa de 15% de sucesso com o tratamento.

A rede pública oferece um sistema de internação em um Caps (Centro de Atenção Psicossocial), que está longe de ser comparado ao de hospitais, e mantém 300 vagas em Comunidades Terapêuticas, geridas por entidades, muitas vezes, fundadas por dependentes químicos em recuperação que há anos estão longe das drogas e seguem a “missão” de ajudar os semelhantes.

O Seas (Serviço Especializado em Abordagem Social) vai até essas pessoas nas ruas e oferece o serviço do Caps AD (Álcool e Drogas). Após alguns dias ou semanas no Caps, o dependente pode ir, quando surgir vaga, para uma Comunidade Terapêutica.

Dependentes químicos em calçada, na Rua Barão do Rio Branco, em frente a antiga rodoviária de Campo Grande (Foto: Alex Machado)
Dependentes químicos em calçada, na Rua Barão do Rio Branco, em frente a antiga rodoviária de Campo Grande (Foto: Alex Machado)

A prefeitura investe R$ 1 mil por mês no atendimento de cada pessoa na comunidade, o que equivale a R$ 300 mil por mês e R$ 3,6 milhões anualmente, conforme a coordenadora de Proteção à População em Situação de Rua e Políticas sobre Drogas da SDHU (Subsecretaria de Direitos Humanos), Bárbara Cristina Fernandes Rodrigues.

Eficácia dos tratamentos 

Ela explica que apenas 40% dos dependentes terminam o tratamento, que dura de nove meses a um ano em Comunidade Terapêutica. Nas 11 unidades em que a prefeitura mantém vagas públicas não há psiquiatra e estrutura de internação médica. Os dependentes fazem consultas no Caps, durante a estadia nas comunidades.

“A efetivação das políticas públicas fortaleceu os trabalhos. Antes, eles tinham índice menor de conclusão do tratamento. Hoje, essa devolutiva das comunidades é super satisfatória. Existem os que desistem, mas existem os que permanecem. Em Campo Grande funciona bastante esse trabalho, mas, infelizmente, aqui é rota de tráfico e a demanda é mundial", comenta Bárbara.

Para se ter uma ideia, Bárbara lembra que somente no ano passado foram atendidas em torno de 1.000 pessoas e 700 foram encaminhados para comunidades. Em janeiro, foram 126 atendimentos e 73 encaminhamentos. As pessoas entram em vagas de quem concluiu ou desistiu do tratamento. Comunidades e prefeitura fazem diversos ações para que o paciente adquira diploma escolar e qualificação para o mercado de trabalho.

Coordenadora de Proteção à População em Situação de Rua e Políticas sobre Drogas da SDHU (Subsecretaria de Direitos Humanos), Bárbara Cristina Fernandes Rodrigues (Foto: Divulgação/SDHU).
Coordenadora de Proteção à População em Situação de Rua e Políticas sobre Drogas da SDHU (Subsecretaria de Direitos Humanos), Bárbara Cristina Fernandes Rodrigues (Foto: Divulgação/SDHU).

Em uma dessas comunidades, a Nova Vida, que fica na Chácara dos Poderes, os dirigentes confirmam que 60% desistem do tratamento. Entre os que vão até o fim, cerca de 15% permaneceram sem usar drogas um ano depois de deixar o local, segundo o proprietário, João Paulo Calil de Assis.

Ele acredita que falta mais investimento do poder público para aumentar essa taxa possibilitando qualificação para inserir os dependentes no mercado de trabalho e ainda um apoio especializado às famílias.

“É um percentual bem baixo, queríamos que fosse bem mais. A cada 50 pessoas que fizeram todo o tratamento e saíram, hoje 7 estão limpas, um ano depois. O que a gente precisa para melhorar esse resultado é de mais investimento do poder público para ter uma melhor estrutura, porque as pessoas precisam sair daqui com condições de entrar no mercado de trabalho e também a família é muito importante. Muitas vezes, a família continua com o mesmo comportamento. A família também precisa de apoio. O dependente precisa desse fortalecimento de vínculo”, avalia João Paulo.

A esposa dele e diretora da comunidade, Janilda Nelci Sandim, conta que são feitas atividades terapêuticas, mas faltam recursos para implantar uma marcenaria no local.

“A família não pode estar igual quando o dependente volta para casa. Eles também precisam fazer um acompanhamento psicológico, porque muitas vezes estão todos doentes”, conta Janilda.

Diretora da Comunidade Terapêutica Nova Vida, Janilda Nelci Sandim; proprietário João Paulo Calil de Assis; assistênte social Jessei Leal da Rocha; e nutricionista Thaís Sandim (Foto: Henrique Kawaminami) 
Diretora da Comunidade Terapêutica Nova Vida, Janilda Nelci Sandim; proprietário João Paulo Calil de Assis; assistênte social Jessei Leal da Rocha; e nutricionista Thaís Sandim (Foto: Henrique Kawaminami)

Enquanto uma comunidade abriga o dependente ao custo de R$ 1 mil por mês, no Hospital Nosso Lar um internado custa R$ 16 mil por mês, o que dá R$ 64 mil por quatro meses, tempo mínimo de internação. O hospital tem 16 leitos somente para homens.

Em MS

Como são serviços com critérios populacionais para implantação, apenas 23 municípios possuem Caps para atendimento a dependentes de álcool e drogas, conforme a SES (Secretaria de Estado de Saúde). São cinco exclusivos para álcool e drogas e 18 para álcool e drogas e demais transtornos mentais.

"Quando o paciente necessita de internação para desintoxicação, são utilizados leitos em hospitais gerais e hospitais psiquiátricos de referência para cada região de saúde", explica nota da SES.

Não há nenhuma Comunidade Terapêutica habilitada pela rede de saúde, conforme as portarias e normativas do SUS (Sistema Único de Saúde), porque "a maioria delas tem cunho religioso e não possui profissionais de saúde", conforme a secretaria.

Hospital Nosso Lar na Vila Planalto, em Campo Grande (Foto: Marcos Maluf)
Hospital Nosso Lar na Vila Planalto, em Campo Grande (Foto: Marcos Maluf)

Como melhorar 

É pela falta de internação médica em hospital que muitos dependentes nem têm condições de chegar a uma Comunidade Terapêutica, segundo o psiquiatra Marcos Estevão.

Ele alerta que o Caps não cumpre o papel de um hospital. Além disso, a Capital tem somente 20 leitos na Santa Casa, que enfrenta déficit de R$ 540 mil no último ano, e cerca de 12 vagas no Hospital Regional. "Não sei se todas essas vagas estão ocupadas no HR", diz.

“Os leitos do Caps não têm preparo, não têm tratamento de suporte respiratório cardiológico. Lá seria um atendimento ambulatorial, mas quando se começou a ver que precisava internar, porque as ruas e o sistema penitenciário estavam cheios de pessoas que estão ali por causa da dependência química, começaram a internar por algum tempo no Caps, mas é muito pouco tempo, de 10 a 15 dias. Teria que ser de 30 a 120 dias e precisamos de leitos públicos em hospitais. Está sendo feito tudo errado”, avalia Marcos.

Para se ter uma ideia da dificuldade, João Paulo lembra que muitas comunidades não são voltadas para mulheres, pois os custos médicos são mais altos. “As mulheres, em geral, chegam com mais doenças, muito mal mesmo. É muito caro. Já trabalhei em uma comunidade anteriormente em que era motorista e todos os dias transportava mulheres para unidades de saúde”, conta João.

Olhar para os resultados positivos e avançar é o caminho, na opinião do médico.

"Não podemos perder o foco no trabalho e nem a esperança. Se 20 pessoas estão recuperadas, um desses pode ser aquele seu parente. Vale a pena, precisamos melhorar, oferecer leitos. Antigamente, a OMS (Organização Mundial de Saúde) estimava recuperação de 4% e hoje está chegando a 20%. Melhorou depois que começou-se o trabalho multidisciplinar com médico, psicológico, grupos de apoio e espiritualidade. Vemos uma melhora substancial com o desenvolvimento da espiritualidade”, conclui o psiquiatra.

Depois da internação para desintoxicação e tratamento de doenças, o médico recomenda a estadia em Comunidade Terapêutica e, em seguida, participação em grupos de apoio como NA (Narcóticos Anônimos) e AA (Alcoólicos Anônimos), mas ressalta que sem o tratamento inicial em hospital não há como tirar essas pessoas das ruas, tampouco resgatá-las das drogas.

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